AS LAVADEIRAS DO ORA-BOLAS
Saias longas quase a tocar nos pés
(pés descalços a maioria das vezes)
passavam na minha rua pela manhã,
descendo a ladeira da Usina Caeté,
as lavadeiras do Ora-Bolas.
Trouxas imensas,
cigarro no canto da boca,
iam cotidianamente rumo ao rio
quase sempre duas a duas.
Era uma procissão de “Atlas femininos”
firmando sobre as cabeças, ao invés dos ombros,
o peso das famílias.
Não era castigo divino,
era destino,
necessidade de sustento.
Conversavam, gesticulavam,
mas nenhuma das trouxas caía
como se fossem partes daqueles corpos
de uma estranha anatomia.
Passavam levando o que era necessário
para uma roupa bem lavada:
palha de milho para esfregar,
barrela para alvejar,
sabão em barra, folhas cheirosas
e anil para as roupas brancas.
Levavam manga (quando era tempo)
e farinha para a merenda.
Algumas vezes torresmo ou peixe assado,
já que ficavam o dia inteiro no rio.
No rio raso, água pouco acima dos joelhos,
de pé entre jejus, piabas e carás,
batiam as peças nos chaprões
como lhes batia a vida
para limpar suas almas ingênuas
das manchas dos pecados cometidos
ás vezes sem perceber.
- Pláaa, pláaa, pláaa... batiam as roupas
e a mata ciliar
com a brincar com aquelas mulheres,
devolvia-lhes em eco o som das batidas.
- Pláaa, pláaa, pláaa... batiam as roupas
Batiam as roupas e batiam papo:
- Sabe quem tá doente e parece que não escapa?
- Sabe quem vai mudar pra Belém?
- Sabe quem chegou ontem no trem?
- Sabe quem vai se casá?
- sabe quem não é mais ...
e as notícias eram transmitidas...
- o feijão subiu de novo, ninguém agüenta mais...
- e a farinha, tá pela hora da morte.
- um dia eu deixo de lavá
quando meu filho se formá,
ele já tá no segundo ano
no Paula Pinheiro...
Falavam da vida e faziam planos,
enquanto rio abaixo, à flor d’água,
descia
a espuma branca do sabão
que a luz do sol coloria,
como nos dias
iam os sonhos, matizados de esperança,
daquelas mulheres sofridas...
Fim da tarde, vestidos molhados,
roupa lavada, missão cumprida,
em sentido inverso (ladeira acima)
passavam pela minha porta
as lavadeiras com suas enormes trouxas
de roupas bem lavadas e cheirosas
e os seus sonhos de mudar de vida,
sonhos que se desbotavam dia após dia
nas límpidas águas do Ora-Bolas.
(Belém, 02 de dezembro de 1981).