REFLEXOS
Três meninos surgem
refletidos no vidro do retrato
A manhã mal se desenha
pelo arvoredo
aguardo sem pressa
abrirem a porta às minhas costas
pressinto primaveras possíveis
e me deixo levar
pelas fantasias dos meus
tenros anos
vida feito mágica
boa nova
aquarelas intactas...
Por dentro de mim a vida
apenas se esboça, acorda devagar...
Vão-se os dias, os anos
as flores nascem e morrem
fogueiras acesas
em junhos disantes
corações incendiados...
agora cinzas
Caí inteira pra longe de quem fui
perdi os sapatos, as tranças
perdi esperanças...
Refletidos no vidro do retrato
escorreram os dias
as noites
as gentes
Cresceram as crianças
morreram os velhos
as folhas cairam
e voltaram a nascer.
Refletidos no vidro do retrato
mesclaram-se sonhos, tragédias
decidiram-se vidas
deram-se abraços emocionados
crianças passaram às carreiras
e homens e mulheres desenharam
existências na velha casa
Quando, enfim, o retrato caiu
num dia chuvoso e triste
a vida fugiu pelos cacos de vidro
e foi se esconder no velho sótão
que é onde ficam os restos de tudo
que não tem mais paradeiro
Borrou-se a aquarela em lágrimas
que desceram as escadas em cascatas
indo se unir ao rio do esquecimento...
Zumbiu o vento
Nas ruínas da velha casa
um frio intenso
uma vela, incenso
ternuras de avós
cheiro de terra molhada
e a casa sempre inteira
no meu pensamento!