CHEIRINHOS DE INFÂNCIA

Na mente fragmentos de lembranças

surgidas, de repente,

dos cheiros prosaicos e ternos

vividos na infância.

Como eles marcam na gente

a indizível emoção de viver

e como afloram fugazes

do mais recôndito inconsciente

como que perdidos

no tempo.

Quem há de esquecer o cheirinho

daquele brinquedo primeiro

feito com o galalite

das sobras de guerra de tio Sam

no limiar dos anos 50?

E o cheiro de mofo dos sobrados?

ah, os velhos sobrados

em cujas escadas alimentamos

tantas emoções

deslizando por seus corrimãos...

Comparável a esse cheiro

só aquele das igrejas

no mês de Maria, nas novenas,

trezenas de Santo Antônio

ou em missas dominicais,

onde ambiente grave e místico

nos moldava a trilogia

medo - mistério - repressão.

São tantos, tantos cheirinhos

você pode acrescentar

o cheiro de terra molhada

água de colônia Regina,

naftalina, alfazema,

incenso, flor de laranja,

manga, caju e araçá

todos tirados fresquinhos

do quintal da tia-avó...

Tudo isso em plena era

de pré-modernização

onde ilusões corriam soltas

sem sequer imaginar

a explosão do consumismo

triunfante e arrasador

na sofrida década de 70.