REABRINDO A ADEGA

Nessa tardia colheita

Amasso bagos rubis,

Encho tinas e barris

Numa adega já desfeita.

Vejo jorrar espremido

Na adega soerguida

Meu passado ali vivido

Em brutal ânsia fremida.

E no forjo dum gemido

Trago a prensa arrochada

Para o tempo ressequido

Feito uva já passada.

Sobre a tábula retinta

Por botelhas derramadas,

Repriso a vida aos trinta

No tombar das madrugadas.

No porão umedecido,

Dentre a cesta e o carvalho,

Vejo o mosto adormecido

Na entrância do assoalho.

Ali, só, dependurada

Na coluna torta e bruta,

Em vão símbolo de luta:

A tesoura enferrujada.

Um tramar de teias gris,

Confundindo aos meus cabelos,

Não ouviu os meus apelos

De voltar onde eu não quis.

A velha taça quebrada,

Sobre um caco colorido,

Tinha um lábio imprimido

Duma deusa embriagada.

Dos abris - colheitas findas,

Ouço vozes, cantorias,

Foram tantas alegrias,

Das lembranças, as mais lindas.

Na adega da minha vida,

Nos barris em abandono,

Velhas marcas do “eu” dono

Vem-me às vezes doloridas.

Vilmar Daufenbach
Enviado por Vilmar Daufenbach em 17/04/2012
Reeditado em 20/04/2012
Código do texto: T3618236