VERMES FLUTUANTES & MAIS
VERMES FLUTUANTES I (2009)
Os pássaros estão a meu redor, gorjeiam,
arrulham, piam, pipilam e crocitam.
Mas nunca é para mim que assim se excitam,
só cantam ao redor e nem receiam,
os outros seres com que se entremeiam:
plumas e penas levemente agitam...
Mesmo que as chame, as aves não me fitam,
cuidam somente dos ninhos que rodeiam.
Igual que as aves marcha a humanidade.
Ao Criador vai tratando com esbulho,
tal qual se nada lhes houvera dado.
O ser humano só circunda a Divindade
e faz suas obras de incessante orgulho,
sem sequer dar menção a seu chamado.
VERMES FLUTUANTES II (12 OUT 11)
Trazem os olhos dos lados da cabeça
a maior parte dos pássaros e assim,
não podem se voltar direto a mim,
têm de olhar de soslaio e sem ter pressa.
O movimento é constante e nunca cessa,
salta em pequenos arrancos, num sem fim,
tal qual se fotograssem, outrossim
o mundo inteiro e a imagem neles cresça.
Já nós possuímos visão tridimensional
e calculamos das coisas o tamanho,
em estereoscópica triangulação.
E assim julgamos todo o bem e o mal
a partir da densa imagem desse ganho,
qual interprete melhor nossa emoção.
VERMES FLUTUANTES III
Mas também nosso conceito é relativo.
Nossa maneira de julgar o mundo
centrada está tão somente nesse fundo
círculo egoísta de que somos centro e crivo.
Pois percebemos que ao redor cada ser vivo
aumenta e diminui nesse rotundo
gravitar à nossa volta, num profundo
depender do julgamento mais ativo.
E assim nos vemos no centro do Universo.
Mantém-se sempre igual o horizonte,
tudo depende do ponto que ocupamos.
Difícil é entender cristal inverso
que nos aumente e encolha sob a fronte
daqueles que nos veem e contemplamos.
VERMES FLUTUANTES IV
Pois, na verdade, habitamos fundo poço,
cujas beiradas formam horizontes.
Somos contidos nas faldas desses montes
e do Universo vemos só o esboço.
Como vermes num balde é nosso endosso,
em que flutuamos, julgando criar pontes,
pretendendo ser da vida inteira as fontes,
mas só bailamos nesse caldo grosso...
E aonde formos, na prisão seguimos,
são apenas as beiradas que se afastam,
sem que do poço possamos nos livrar.
Que seja nosso o mundo nos mentimos,
nesses círculos estreitos que nos bastam
para a nós mesmos podermos enganar.
SOMCOR I (11 OUT 11)
Existem cores na literatura
que se repetem, bem continuamente.
O mar é verde e fala-se frequente
nos dedos róseos da aurora, com ternura.
São cabelos de mel de formosura
ou de azeviche a madeixa redolente.
Olhos azuis gotas de céu potente,
tem lábios de carmim donzela pura.
É branca a água que tomba da cascata,
a mata é verde quaisquer cores que tenha
e é preta a terra da fertilidade.
A lua cheia sempre é disco de prata
e o sol de ouro em raios manda a senha
e cinza é a cor da chuva e da umidade.
SOMCOR II
Quando uma voz é bela, é argentina,
louro o trigal que os corvos sobrevoam.
As sete cores do tangará entoam,
negra a graúna que a Alencar fascina.
Há sete cores do arco-íris na retina,
dizem ter cor os rufos que nos soam.
Dizem ter som as cores que o povoam,
negro o futuro que à morte nos destina.
É verde o oceano, mesmo que seja azul
ou pareça tanta vez acinzentado.
Azuis os montes perdidos no horizonte
e se acredita que o paraíso exul
tenha portões do mais fino dourado,
qual é dourado o sonho que desponte.
SOMCOR III
O som e a luz se aninham lado a lado,
um som alegre é dito luminoso.
É negro o som de tom mais tenebroso,
igual que dizem ser negro o teu pecado.
Afirmam hoje ser até preconceituoso,
como se fosse um corpo negro mencionado
nessa expressão e assim mais depreciado
que o corpo branco claro e mais formoso.
Mas tal conotação é bem falaz:
é negra a cor de toda a tempestade,
é negra a escuridão, se a noite cai,
é negro esse caixão que o corpo traz,
negra a ferida que a gangrena invade
e quem reclama, seu preconceito trai.
SOMCOR IV
E existem sons que já perpetuamente
são na literatura garimpados.
Os sons do mar nas conchas escutados,
farfalham folhas e saias igualmente.
As ondas rugem e, bem frequentemente,
assobiam tanto vento e sons soprados,
o tambor troa e corações descompassados
batem de amor e o ódio ferve quente.
Mas há expressão bem menos conhecida
(talvez eu tenha acabado de a cunhar).
Quando se ausculta a carne mais querida
há um leve balbuciar e farfalhar.
E eu escutei na sua vagina a vida,
igual que as conchas guardam som do mar.
MINHOCAS DE CORAL I (14 out 11)
Poucas coisas existem nesta vida
que nos confiram prazer tão espontâneo,
quanto a tolice de algum contemporâneo,
em que nossa inteligência é presumida.
É o humor "casca-de-banana", que assim lida
com nossos erros como um sucedâneo.
Não foi nosso o escorregão desse calcâneo
sobre a calçada ou a queda assim sofrida.
E até mesmo as pessoas mais discretas,
sorriem na ironia que entretemos,
vendo o fracasso de alguma profecia,
nessas superioridades mais diletas
que usufruímos, no prazer que temos
ao descobrir que errou a meteorologia!
MINHOCAS DE CORAL II
É que, no fundo, a nossa inermidade
ante os constantes golpes do destino,
nos procura compensar, com dom supino,
quanto sentimos nossa inferioridade.
Porque o sucesso dos outros, na verdade,
sempre nos causa rancor, bem pequenino,
na melhor das hipóteses, ou o desatino
dessa raiva sem limite ou saciedade.
Assim, pouco nos causa mais prazer
do que assistir aos erros cometidos
por aqueles que julgamos ter mais sorte,
enquanto só ficamos a entreter
nossos deveres, sem ser reconhecidos,
até que nos premie a própria morte.
MINHOCAS DE CORAL III
Quando minhocas se cortam pelo meio
e lhes forem as condições mais favoráveis,
cada uma delas tem dons regeneráveis:
surgem duas minhocas, sem receio!...
Provavelmente, lá no fundo de seu veio,
essas minhocas se acham admiráveis
e fazem troça dos serem vulneráveis
que sempre morrem, se cortados de permeio.
Essas minhocas vermelhas de coral
têm do Universo sua própria concepção
e pouca consideração pelos humanos
ou outros seres, a cuja vida natural
não favorece qualquer regeneração
e é interrompida no meio de seus anos.
MINHOCAS DE CORAL IV
Também nós somos minhocas de coral,
em nossa universal concepção.
E o fracasso dos outros dá razão
para risadas de malícia natural.
E como é vasta a maldade universal
que a inveja manifesta em profusão!...
Os parabéns que damos a um irmão
são construídos de falso material.
Cada um de nós enroscado em seu buraco,
no terror de ser cortado pelo meio,
agradecendo ter sido de outro a vez...
Que seu triunfo se transformou em caco!
Mesmo quando nos calemos, por receio
de ser punidos por tal desfaçatez!...