Autismo opcional
Na ânsia de superar os medos incompatíveis com a irreverência
dos meus dias, deixo escorregar, por entre lágrimas, minhas infantis
e superficiais necessidades.
Nos minutos que antecedem minhas frágeis decisões, deixo
elucidar entre as palavras meus sensíveis e emergenciais diagnósticos.
No deitar aparente dos meus olhos, frente a um duelo proibido,
permito que a timidez desvele os saltos, quase mortais, do meu
inconsequente coração.
No sorriso quase ingênuo da minha alma,
no brilho quase imperceptível do meu olhar,
no sobressalto quase dramático dos meus desejos,
vou esculpindo minha história e meu castelo...
num mundo personalizado, numa realidade autista e pretensiosa.
Descalça, sem amarras, sem proteção contra a ousadia em expor
minha própria alegria, corro em busca dos ventos, deixando que eles
conduzam, não somente a direção dos meus pensamentos, mas,
sobretudo, a fragilidade das minhas secretas ambições.
Mirando o reflexo da minha pele no espelho, procuro entre as
linhas atenuantes da minha amargura algum resquício de sonho
espatifado entre os cacos das minhas lembranças, em passagens ou
travessias, nem sempre bem sucedidas.
Fios prateados, que escondem medos, coroam desatinos,
envolvem intocáveis destinos.
Aprofundo meus devaneios nos olhos desnudos dos meus filhos.
Sinto que, na maioria das vezes, necessito muito mais deles que o
contrário.
Sinto que a liberdade dos seus atos, muito mais me encanta
que me assombra.
Sinto que a rebeldia precoce das suas idades aninha-se à teimosia tardia das minhas atitudes.
Sozinha, degusto com prazer minhas românticas e irreais fantasias.
Acompanhada, jejuo. Silencio minhas teorias.
Abaixo o som das minhas palavras.
Coloco minha espontaneidade para dormir e apago a luz dos meus exageros.
Sou assim. O comando da minha vida não tem backup.
Vivo a emoção de um dia após o outro, sem planos,
sem roteiros, sem expectativas, sem máscaras, sem fitas, sem ensaios.