Eu quero o meu avô

Eu quero um avô.

Um homem de olhos gastos, cabelos ralos, barba de muitos fiapos brancos.

Um avô cheirando a fumo,

mãos calosas, veias salientes.

Eu preciso de um avô assim.

Um homem encurvado sobre a própria experiência

mas que ainda passe as horas esperando a vida que virá da esquina.

Eu quero um avô assim: sempre que passa o lenço no rosto

sai nele um pouco do chão do Brasil.

Um avô que me assuste com histórias de Lampião.

Um homem que tussa, à noite,

para me lembrar o caminho, a trajetória, a assombração.

Uma pessoa séria que me conte sobre as revoluções,

fale-me dos tempos que não voltam mais,

salve-me dos castigos paternais

e me sente no colo fazendo um carinho.

Eu quero um avô.

Sempre escandalizado com as cenas de televisão.

Um homem que tenha simpatias e chás pra tudo.

Uma pessoa que implique com o cachorro e suas fezes no quintal,

mas que chute bola.

Que chupe laranja, mas que cuspa os caroços nas mãos.

Eu preciso de um avô assim.

Que limpe o nariz com um lenço sempre amarrotado,

urine muito, deixando as marcas dos respingos nas largas calças largas.

E, mesmo com todos os anos a que tem direito,

chame de senhor e de senhora a quem quer que seja.

Um homem

Que não faça barba às sextas-feiras,

que vá à missa das sete e traga sempre o terço no magro pescoço.

Que me ensine uma reza para o anjo da guarda.

Um avô que, porque faz frio ou porque esquentou muito,

peça um gole de pinga com café.

Alguém que coloque a culpa de tudo no presidente,

que diga que o mundo está perdido.

Eu preciso de um avô.

Que tenha sempre aquele cheiro de carne morna,

e a marca de uma briga antiga no corpo.

Eu quero o meu avô.

Eu preciso dele para me perceber cru.