ORQUÍDEAS AZUIS / INDULGÊNCIA / CURIOSIDADE
ORQUÍDEAS AZUIS I (1º mai 11)
Para orquídeas, esta cor é meio rara.
Aparecem muito mais avermelhadas,
em tons de rosa ou mesmo amareladas,
ou ainda brancas, em sua textura clara...
Em tons leitosos sobre verde vara,
vêm roxas, violetas, carminadas,
magníficos botões, camas de fadas
(ou é laranja a flor que nos encara...)
Porque as orquídeas parecem mostrar face
no arranjo caprichoso dos estames
e dos pistilos, no fulgor da antera...
É como se assim nelas se estampasse
uma pequena sílfide, que ademanes
de encantamento ao coração nos gera...
ORQUÍDEAS AZUIS II
São simples flores, afinal, que a Natureza
esculpiu através das gerações...
Mas quando o olhar em seu azul depões,
quão grande o encanto de tal delicadeza!...
Visam tão só reprodução, em sua beleza:
o seu perfume, os tons ciano de paixões,
sua exposição glamorosa de pavões,
muitos insetos atraem, com certeza,
na brisa etérea das polinizações...
Mas então, por que são belas para nós,
que apenas as cortamos para vasos
e as damos de presente, em ocasiões,
por não queremos continuar a sós,
sob a influência apenas dos acasos...?
ORQUÍDEAS AZUIS III
É certo que em estufas as guardamos,
para serem espalhadas pelo mundo
e assim resistem ao frio mais iracundo
para o prazer com que as contemplamos...
Porém se o vidro protetor quebramos,
já se ressentem de choque tão profundo
que logo murcham, deixando o chão imundo
com as pétalas fanadas que pisamos...
Destarte, não servimos, com certeza,
mas somente nos queremos servir delas,
enquanto seu perfume assim se evola...
Nessa breve fruição de sua lhaneza,
só por vaidade se nos mostram belas,
em tal visão fugaz que nos consola...
ORQUÍDEAS AZUIS IV
Mas as orquídeas azuis, especialmente,
ao explodirem em tal fotografia,
tem um toque indubitável de magia,
em cinco pétalas de viço complacente...
Parecem tecelãs, em sua consciente
criação de uma gentil tapeçaria.
Duas fadinhas, em momentos de elegia,
cada qual em sua tarefa diligente...
Tem olhos verdes e braços azulados,
atentas e ocupadas no croché,
a completar essa pétala que falta...
E assim se esforçam, com agulhas encantadas,
nessa perfeita demonstração de fé,
que na pétala tecida o azul esmalta...
INDULGÊNCIA I (2008)
Acendeu-se uma flor no meu jardim,
numa explosão de azul, pura e selvagem,
concisa de corola, imperturbável,
cornucópia de anil se mostra, enfim,
com certos laivos rosa e quer, assim,
insetos atrair à polinagem
mas se demonstra de meu sonho a imagem
e atávica, seduz-me a um igual fim...
E eu poderia nela derramar-me:
nessa corneta azul e rosa da ipomeia,
que rebrotou ao som da primavera
e em sêmen totalmente transformar-me,
a percorrer-lhe as entranhas de epopeia,
até encontrar-lhe as raízes à minha espera.
INDULGÊNCIA II
Pois é assim que me volto a uma mulher,
ao dar-me inteiramente, carne e mente,
ao dar-me totalmente, sangue em frente
e a alma inteira após... Se desfizer
as linhas de meu cérebro, sem qualquer
ressalva ou precaução, incontinente,
sem procurar um repouso, indiferente
ao que me possa destruir, sequer,
nem por um só momento eu prantearei
por ver-me assim na amada dissolvido,
pois muito mais que eu, é ela que importa;
e qual um alquimista, esmagarei
no almofariz meu coração ferido,
minhalma a destilar numa retorta...
INDULGÊNCIA III (11 mai 11)
E a alma se vai, integralmente, pura,
enquanto se consagra a carne inteira,
em plena eucaristia derradeira,
corpo e sangue transubstância de ternura.
Contudo, após meus anos de amargura,
percebi desigualdade na parceira:
nenhuma só mesclou-se, alvissareira,
com ímpeto parelho à minha doçura...
Unilateral assim, em tais abraços,
sacerdote sem fiéis, minha comunhão
somente espiritual celebração,
minha hóstia pura sorvendo em solidão,
na confusão desses mentais regaços,
de mil fantasmas dormindo entre meus braços!
INDULGÊNCIA IV
O amor da carne descobri ser só carnívoro;
o amor da alma somente um desalmado;
cada flor que se acendeu, em meu pecado,
tornou-se carne de apetite onívoro...
E procurei, sem dúvida, frugívoro:
provei todas as árvores, deslumbrado,
das bananeiras ao castanheiro alado,
de borboleta e libélula insetívoro...
Sem nunca achar igual correspondência:
amor, sexor, descobri frequentemente,
mas nunca o almor que buscava tão ansioso.
Porém mantenho a chama em sua potência
desse amor que sobrevive, periódiocamente,
mesmo envolto no rançor mais rancoroso.
CURIOSIDADE I (12 mai 11)
Esquilos são curiosos, com certeza...
Dizem alguns que em busca de alimento,
por experiência e aproveitamento
desses bens que lhes fornece a natureza.
Ou que, talvez, só exerçam julgamento
sobre objetos que lhes causem incerteza,
que alguns humanos lhes mostram gentileza,
enquanto outros têm mau procedimento.
Contudo, algo mais existe nisso,
em seus olhos enormes de bulício,
contas de ônix de audaz vivacidade,
pois de suas curtas vidas esse viço
quer tudo usufruir, no mesmo vício
com que os jovens desperdiçam mocidade.
CURIOSIDADE II
Mas não devemos emprestar humanidade
a quem não a tem, que é pura projeção,
porque estes sentimentos nossos são,
não têm controle sobre a animalidade,
embora os projetemos, sem maldade
sobre os cavalos, os gatos, nosso cão
e lhes cobremos, em troca, a aceitação...
São os instintos que conferem lealdade
ao chefe do rebanho ou da alcateia.
E no casos dos gatos, solitários
predadores, que para si somente caçam,
em coisa alguma a obediência esteia.
Nossos pendores, porém, atrabiliários,
o nosso próprio amor neles retraçam.
CURIOSIDADE III
E também eu, no vício de poeta,
projetei nas mulheres sentimentos
que espelhavam meus próprios julgamentos
e cada mínima ambição secreta.
Mas é minha mente que tais signos excreta.
Outros motivos têm seus pronunciamentos:
do ninho o instinto conduz procedimentos,
bem mais que amor a sua conduta afeta.
E tolo eu, que busquei em minhas parceiras
o mesmo cintilar de minha ilusão:
queria que me amassem sobre tudo.
E envolto em minhas miragens derradeiras,
seus corpos eu ganhei ou o coração,
porém as almas conservaram seu escudo.
CURIOSIDADE IV
Mas qual instinto que leva esses bichinhos,
minúsculos mamíferos curiosos,
que a natureza tornaria cautelosos,
a buscar algo mais que encher os ninhos
de provisões para meses mais mesquinhos?
Por que as vidraças de humanos perigosos
perfuram com olhares mais gulosos,
pelas ações que praticam seus vizinhos?
E por que examinaram as mulheres,
com seus olhos de verruma, os sentimentos
que eu lhes mostrava, mas sem participar?
Mais interesse em seus próprios quefazeres
a demonstrar, que nos mil encantamentos
que tanto eu quis com elas partilhar?