KADIMAH / ESTAGIRITA / ALVENARIA

KADIMAH I (7 abr 11)

Em Kadimah não florescem as papoulas:

nenhum ópio se produz neste país.

Mas são vermelhas as flores que se quis

plantar no solo, ao invés de pombas-rolas.

Flores de sangue redigiram, como giz:

riscos cortados em encarnadas golas.

As papoulas, nem sabiam aonde pô-las,

salvo nos canos de pintura gris

de rifles e canhões. E, no entretanto,

a floresta em Kadimah nem existia,

antes de ser plantada, há poucos anos.

Cresceu ligeira, por ser regada a pranto,

por essa gente que o mundo perseguia,

como se fossem seres sub-humanos.

KADIMAH II

Por muito tempo permaneceu deserta

esta terra de areia. Antigamente,

foi aqui Tzoran, que simplesmente

significa "sílica", o que desperta,

claramente, a descrição de terra aberta.

Kadimah, em hebraico, é "para o oriente",

"avante", ou então, mais claramente,

"continuidade" e fica até bem perto

de Tel-Aviv. Faz parte de Ilanot,

a floresta nacional, um simples nome,

significando "árvores", (bem pouco original),

conservada pelo Instituto Rehovot

de Reflorestamento, que a árdua terra dome,

onde bem pouco cresce natural.

KADIMAH III

Esse recanto é mais um parque, que divide

Tzoran da vizinha Kadimah.

Sobre esse bosque pouco a dizer há,

salvo o esforço que nele assim coincide.

Mas esse sol que, em diagonal, incide,

e quase azuis pinta as árvores por lá,

é o mesmo astro que há tanto tempo está

a iluminar as batalhas desta lide...

Nesta terra que chamaram de Crescente

Fértil, mil exércitos marcharam,

desde que tem lembrança a humanidade.

Mesopotâmios e egípcios igualmente,

sírios, hititas, mitanianos, que lutaram

por este solo sem fertilidade...

KADIMAH IV

Porém possuía o estratégico valor

de uma rota de comércio cobiçada,

embora hoje represente quase nada,

pela disputa com os povos ao redor.

Kadimah foi replantada ao derredor,

depois de ser cortada e até queimada.

Como fonte de cruzes foi usada,

durante os tempos do românico esplendor,

para o suplício de seus adversários...

Porém o Sol ainda brilha por aqui,

após passadas tantas gerações

e cresce o verde em seus tons multifários,

fornecendo à Natureza um álibi,

contra esses crimes e tais depredações.

ESTAGIRITA I (8 abr 11)

O filósofo Aristóteles trabalhar

não precisou, pois nasceu aristocrata.

Taxonomista foi, de longa data,

conhecimentos sempre a compilar.

Foi seu labor que a lógica desata

da escolástica em pleno rebrotar.

Reuniu tolices de cunho milenar,

com demasiado estanho na sua prata.

Encheu a cabeça de S.Tomás de Aquino:

o vácuo preencheu de sua vida monástica,

pois viu em Aristóteles um dom semi-divino,

de inspiração celeste e toda essa escolástica,

por mérito que tenha, gerou o desatino

da queima de inocentes por heresia fantástica.

ESTAGIRITA II

O fato é que Aristóteles era um compilador

e se esforçou bem pouco pela comprovação.

Tudo anotou, por maior a confusão:

da Idade Média contribuiu para o negror.

Por esta falha de peneiração

de tanta informação sem mais valor,

conhecimentos de seu predecessor

deixou de lado, em pura presunção.

Desse modo, ao afirmar que a Terra

era o centro do Universo, ele negou

dos pré-socráticos melhor exatidão.

Mas porque tal noção sua obra encerra,

a Igreja tantas vezes condenou

quem refutasse a falsa afirmação...

ESTAGIRITA III

É no que dá confundir a religião

com o domínio exclusivo da ciência.

Tomás de Aquino, com toda a sua sapiência,

produziu ao mesmo tempo confusão.

Se na Summa Theologica à solução

dos problemas da fé, em sua potência,

se houvesse limitado, com decência,

não causaria uma tal perturbação.

Mas ao invés de limitar-se à teologia,

aos escritos da Bíblia e da Patrística,

que interpretou com acurácia até,

foi se meter com tal vã taxonomia,

para afirmar, com toda a casuística,

coisas que nada tinham a ver com a fé!...

ESTAGIRITA IV

Entre outras teve a grande impertinência

de declarar que a mulher era o pecado.

Chegou a afirmar que, se fosse derramado

o sangue menstrual, a sua virulência

seria tamanha, que tiraria a potência

da terra e que, no ponto conspurcado,

nada mais cresceria, imundiciado

pelo ventre da mulher... Pura demência!

E pela caça às bruxas foi também

o primeiro responsável. Claramente

lançou as brasas para mil fogueiras...

Mas de Aristóteles não surgiu esse porém:

as mulheres eram tolas, certamente,

mas para o sexo lhe serviam de parceiras...

ALVENARIA I (9 abr 11)

Inspiração ou chega ou não se tem:

não adianta buscar, se não nos chega.

É uma sombra sutil, que não se pega:

nevoeiro e bruma que não se sustêm.

Não é no cérebro que o verso se contém

e nem sequer do coração se achega.

A ideia vem às mãos e não se nega

a quem se apresta a redigir o quanto vem.

Escorrem as palavras (sem esforço)

quando os deuses nos falam pelos dedos.

quanto pretendem assim comunicar...

Mas quem planeja e faz algum escorço,

não merece o sussurro dos segredos

e nem consegue aos deuses escutar.

ALVENARIA II

É assim comigo e o mesmo te desejo:

que te escorram dos dedos as cachoeiras

de Dionyso, em vastas corredeiras,

nas catadupas férteis desse ensejo.

Que escorra de tua mão o som do beijo

e de teus dedos, as pérolas traiçoeiras

dos versos descarnados, a que as parceiras

darão a carne, em seu sincero arpejo.

E, talvez, de modo tal os interpretem

como nunca os pensaste interpretar,

por que os veros poemas criem vida.

Independente da tua e assim afetem

os corações, em idêntico vibrar

àquele a que sua alma dá guarida.

ALVENARIA III

Existe em nós o mesmo dote arcano,

pois teu espírito tem perpétua ligação

com os que animam tua inteira geração

e os que inspiraram tanto esforço humano.

E deste modo, não causa qualquer dano

pôr de lado todo o esforço da razão

e te deixares transformar em coração:

nesses mormaços teu lirismo é abano.

Assim como sou eu, também és tu

e poderás criar o mesmo e ainda mais,

desde que aceites o dom com humildade.

Que nasça assim em ti o verso nu,

em sua fluência e encaixe naturais:

são patrimônios de toda a humanidade.

ALVENARIA IV

Porém teu verso largamente ponderado

jamais te mostrará igual fluência.

Poemas não são feitos por sapiência,

mas pela aceitação do sonho alado.

E quando abrires esse canal fechado,

as palavras sairão com inocência,

ansiosas por viver em sua potência:

não será teu o verso descuidado...

Igual que não são meus quantos eu faço:

eles brotam completos do inconsciente

e assim me curvo a ser somente escriba.

E ao mundo os lanço, sem correia ou laço:

que cada um os tome por presente

e os envolva na carne em que se estriba.

William Lagos
Enviado por William Lagos em 09/05/2011
Código do texto: T2958321
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