Passou,passou... Passou?
Passou passou... Passou?
Passou passou, não volta mais, talvez apenas como recordação,
a única possibilidade de se voltar a viver o passado...
Passou mesmo?
É voz corrente a assertiva, muito correta aliás, que
“ sabemos quando fomos felizes, não quando somos”.
Mas são tão poucos os momentos prazerosos que se tem para lembrar...
Compensa a espera sofrida entre os momentos restantes, a maior parte da vida?
É claro que se pode mudar a história,
fazendo de um sonho, de uma ilusão, um momento concreto e passar a vive-lo,
numa gostosa esquizofrenia que não permitem e tentam elimina-la com remédios,
idiotizantes.
Se não for nada importante, um comportamento rotulado de anti-social, ou
um acontecimento histórico em nova versão errada, quem vai se importar?
O elaborador da nova situação fica um pouco mais satisfeito com sua mentira.
Não faz mal a ninguém – faz algum bem a ele.
Talvez a maioria dos lembrares que nos cercam sejam ilusões críveis,
que passam a fazer parte do nosso passado e dos que conosco vivem.
É tudo tão estranho...
De que adianta viver intensamente um momento especial real, para, então,
poder lembrar nos momentos de solidão, se é tão difícil isso acontecer?
Os sorrisos e as conversas com os amigos, as brincadeiras com os irmãos, os livros inebriantes que lemos, as musicas que escutamos, os ruídos que nos assustaram, as dores insuportáveis, as duvidas atormentadoras, as saudades imensuráveis, o primeiro amor avassalador, os trabalhos concluídos, a casa de papai e mamãe?
Lembramos tão pouco, atormentados pelos mesquinhos problemas do dia a dia,
que vamos esquecendo de recordar o que nos deu, num momento certo e curto,
prazer e realização.
Vivemos milhões de momentos nas nossas vidas,
uns ruins outros bons, a maioria intervalos medíocres,
que somos obrigados a trilhar para garantir a continuidade da existência.
Com algum esforço lembramos de algumas centenas de fatos.
Os que valem, os que são faróis balizadores de nossas vidas, são poucos.
Estes lembramos, de vez em quando, em ocasiões especiais.
De repente surge um rosto que se foi, um sorriso que não vem mais,
um som, uma saudade caótica de um momento especial,
de uma pessoa que não está mais ao nosso lado,
que só tem significado nas experiências e expectativas próprias de cada um,
não adiantando tentar explicar aos outros, que têm suas próprias questões para tratar.
Essas memórias ou fazem pensar, ou fazem sorrir, algumas vezes fazem chorar.
No fim da vida cada um sabe como se esforçou,
honesta ou desonestamente, como tentou construir o seu sonho, ser reconhecido,
encontrar o seu amor, criar filhos, ter uma família, viver feliz.
É comum encontrar velhos que sobrevivem na angustia da certeza
de que não foram feitos para o que fizeram,
nunca se esforçaram o suficiente, e, (o pior), dizem que tinham tudo para vencer,
mas não conseguiram os coitados, fracassaram...
Não há tempo para recomeçar. Só restam as recordações que se
embaralham, se diluem nas lagrimas de olhos esbugalhados, assustados,
expectantes quando ao ininteligível futuro tão próximo e de um passado tão distante.
Então, para sentir um pouco de conforto com a vida que ainda lhes resta,
homens e mulheres, idosos e sozinhos, costumam reconstruir suas histórias,
eliminando o que desagrada, erigindo como verdadeiro o que lhes causam
algum consolo e prazer – tudo muito interno, pessoal, só deles
quem compreendem o porquê de assim agir...
Silenciam os lábios que se fecham, não se abrindo sequer para sorrir ou orar.
Eurico de Andrade Neves Borba
Ana Rech, outubro de 2010