LEMBRANÇAS DE FAISQUEIRA IV

(Faisqueira, vila de Ubaitaba/BA

Fatos acontecidos na minha infância e primeiros anos da minha juventude, sem ordem cronológica)

(continuação)

31

Hoje, não sei se sim, mas num passado tempo,

no tempo do Gilberto e de outros rapazotes,

as garotas da vila eram um gastamento.

Com elas se gastava petiscos em pacotes.

Pó de barata-tonta iam neles a contento

na esperança de ver as cores dos seus dotes.

A conta do Gilberto, o pai pagava também,

pois as passas de uva eram do armazém. (13/10/1998)

32

No armazém do seu pai, Gilberto, o caixeiro,

diminuía o lucro e o pai não dava conta,

pois não tinha nenhum problema de dinheiro

e, sem ter nada escrito, olhava só a monta,

ocupando-se mais em ser um fazendeiro,

pois só o seu cacau o agüentava na ponta.

Assim sendo, o Gilberto, infante vivedor,

tudo ia esbanjando, enquanto era feitor. (13/10/1998)

33

Com a mula Medalha aprendi cavalgar.

A sua pelagem era a cor branca-de-neve.

Era boa de sela e não andava no ar.

Muito dócil ela era e tinha o queixo leve.

Qualquer mulher podia então nela montar.

Em toda sua vida ela nunca fez greve.

A Medalha era assim: no sair era fria,

mas no ter que voltar ela sempre corria. (13/10/1998)

34

Cigana era uma mula especial de carga,

mas de sela era mal, por ser muito durona.

Apertada na espora, estourava a descarga

e andava mais ligeiro em sua maratona,

pois o toque lhe dava um vexame na ilharga.

Quando estava encilhada era uma bonachona,

mas quando em liberdade era assaz perigosa.

Em menino ou mulher investia raivosa. (14/10/1998)

35

O Anjo, caboclo forte e bastante pesado,

retornava da feira em cima de Rochedo,

burro forte e buchudo, entre a carga enganchado.

Ia um rochedo em baixo e em cima um penedo.

Choveu muito e um riacho exaltou-se malvado.

Quando Anjo lá chegou, dele não teve medo.

Meteu o burro n’água e no meio afundou.

A carga se soltou e só o asno tornou. (14/10/1998)

36

Existe em Faisqueira a pedra do acari

mergulhada no rio e sobre outras alçada.

Conhecida era só, quando eu era um guri,

por muito pouca gente, amigos um de cada,

e entre eles o meu pai. Era como um rubi,

uma pedra preciosa em segredo guardada.

De acaris, a pousada, estava sempre cheia.

Quando envolta em tarrafa era ela uma cadeia. (16/10/1998)

37

Rainha em toda festa, Esmeralda era tida.

Dançarina excelente, entre todas sem par.

Bastante disputada ia feliz da vida,

com qualquer um parceiro, ao tablado dançar.

Fazia corpo leve, enquanto conduzida

no tom do musical, sendo macia ao bailar.

Não falando mal dela, por lá se dizia:

boa poldra de sela ela bem que seria. . (17/10/1998)

38

Dizia-se por lá que gêmea com menino

era estéril na certa e não crescia a raça.

Damiana nasceu junto ao Cosme, masculino.

Ela, quando casou, não mostrou nem fumaça,

mas seu macho, um viúvo, achava até divino,

pois já tinha a criar a sua populaça.

Enquanto Cosme é pai, gerou a filharada,

Damiana é só mãe dos filhos da finada. (18/10/1998)

39

O nome Antônio lá, não era de um tão só.

Meu pai tinha esse nome e também o Bitônio,

o Toninho Querino, o Pretinho, o Jiló,

o Toninho Ferreira, o Pinheiro, o Totônio

e muitos outros mais e ainda o Tõe Rorró.

Faisqueira era assim, rica do nome Antônio.

Jiló tinha essa alcunha em razão da umbigueira.

“Rorró” e não “vovó”, falava o outro em gagueira. (18/10/1998)

40

Certa vez, uma festa a violão e pandeiro,

fizemos, o Gilberto, o Antônio Pinheiro e eu.

Certa gata não quis me aceitar companheiro.

Aos outros dois também ela não aqueceu.

Antônio arma buscou e explodiu o candeeiro.

O tumulto, no escuro, atropelos só deu.

Chegou o delegado. Ele estava por perto

e, para sorte nossa, era o pai do Gilberto. (20/12/1998)

(continua)

Almir Câmara
Enviado por Almir Câmara em 16/11/2010
Reeditado em 23/11/2010
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