LEMBRANÇAS DE FAISQUEIRA III

(Faisqueira, vila de Ubaitaba/BA

Fatos acontecidos na minha infância e primeiros anos da minha juventude, sem ordem cronológica)

(continuação)

21

João Querino notava o furto da verdura

e acreditava ser roubado por veado.

Ariston prometeu caçar a tal figura.

A noite era de lua e ele foi ao roçado.

Quando a aurora chegou, veio vindo a criatura.

Ariston se escondeu e se viu fracassado.

Para a vila voltou e chegou obsceno

gritando para o povo: - "O veado é Roseno!". (22-06-1992)

22

Não levava Ariston, desaforo p’ro lar.

Cicatrizes no corpo, inclusive no rosto,

talhadas a facão, tornavam-no sem par

dentro da sociedade onde estava bem posto.

Transparecia ser xerife do lugar.

Defendia um amigo onde houvesse um oposto.

Era respeitador e também respeitado.

Quem não gostava dele estava com pecado. (12-07-1996)

23

O Pedro Pascoal tinha uma mula branquinha

muito boa de sela e de outras coisas mais.

Ela era muito mansa, igual uma galinha.

Dar coices em alguém nunca ela foi capaz.

Quem não tinha xodó, amor por ela tinha.

No barranco do rio ela não tinha paz.

Se a noite era de lua e chuva não caía,

por certo havia alguém no barranco da orgia. (08/10/191998)

24

Um certo primo meu, na fazenda morava

e seu cão Paru era o fiel escudeiro.

Toda noite na vila o par lá se postava,

Meu primo namorando e de guarda o parceiro.

Na janela da casa era onde namorava.

Namorada por dentro e ele por fora ordeiro.

Ao amanhecer, um dia, alguém vê só o cão.

Nota a casa fechada e tira a conclusão. (10/10/191998)

25

O gago Tõe Rorró, o nosso serviçal,

quando nada fazendo, ele chupava o dedo.

Certo dia pensei em lhe fazer um mal.

Com pimenta madura eu bolei um torpedo.

Entre dois dedos meus amassei uma tal

e logo o convoquei a lutar em brinquedo.

Minei seu polegar e não quis mais brincar.

Ele chupou o dedo e ficou a chiar. (11/10/1998)

26

O Manoel Cândido era um aluno minúsculo.

Em seu nome não punha acento circunflexo.

Era fraco de escola e igualmente de músculo,

Tinha uma coisa que ele achava mui complexo:

não sabia escrever certo o seu C maiúsculo.

Tinha boa intenção, mas saía sem nexo,

Tal B minúsculo era ele então parecido.

Como Manoel Bandido ficou conhecido. (11/10/1998)

27

Junto ao Gilberto eu fui caçar no matagal.

De repente me deu vontade de ir no mato.

Bem, no mato estava eu. Fui para atrás de um pau.

Logo que me abaixei passou um sapo a jato

e em seguida uma cobra estancou no local.

Minha arma junto dela era só um ornato.

Ao Gilberto gritei e ele compareceu.

Atirou no olho dela e a vontade morreu. (11/10/1998)

28

Um velhote malandro ensinava a dinheiro

simpatias de amor para atrair mulher.

Compramos, Gilberto e eu, somente uma primeiro.

Barata-tonta em pó dava fogo em qualquer.

Comida com petisco era tiro ligeiro.

Do efeito não fugia uma mulher sequer.

Dei a uma prima e logo, ih!, chegou nossa avó

que também foi comer. Veloz fugi do nó. (11/10/1998)

29

Barata-tonta há muita em roças de cacau.

Também barata-d’água é como é conhecida.

Nas fontes ela vive a nadar jovial.

Fazendo ziguezague ela faz sua vida

enquanto não lhe caça um rapaz sem casal.

Primeiro ela é torrada e depois bem moída.

O seu pó em manjar tem vigor de corisco,

faz a mulher amar quem lhe deu o petisco. (12/1/1998)

30

Passas de uva em estoque, o senhor Hemetério,

tinha para vender. Não vendia uma só,

mas pensava que sim. Não sabia o mistério

que seu filho, o caixeiro, fazia sem dó.

Todo o seu estoque andava em revertério,

pois Gilberto o gastava em busca dum xodó,

tendo uma simpatia em grandiosa monta:

fazer mulher comer pó de barata-tonta. (12/10/1998)

(continua)

Almir Câmara
Enviado por Almir Câmara em 15/11/2010
Reeditado em 23/11/2010
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