LEMBRANÇAS DE FAISQUEIRA I
(Faisqueira, vila de Ubaitaba/BA
Fatos acontecidos na minha infância e primeiros anos da minha juventude, sem ordem cronológica)
01
Rio de Contas baixo, é lá que está Faisqueira,
vila na qual nasci e morava a alegria.
Foi lá que decorri minha infância fagueira,
infância que só um indiozinho fazia:
no rio, natação e na terra, carreira,
ou na terra, caçada, e no outro, pescaria.
Quando a noite chegava eu estava cansado.
Cedo ia dormir, cedo estava reforçado. (03-07-1991)
02
Na vila havia cinco escolas iniciantes.
Com a Dina, Leli, Leonor, Ilda e o Raimundo
professando as lições, letravam-se os infantes.
Em cada, um só salão continha todo mundo,
e de longe se ouvia o som dos estudantes.
Soletração com voz, num tom alto, profundo,
fazia cada aluno. Era uma vozearia.
Era tal, lá no brejo, o som da saparia. (03-07-1991)
03
Nas escolas de lá não se usava a privada.
Quem sentia a vontade, ia no mato perto,
mas um de cada vez, era lei preservada.
Uma peça de madeira era o controle certo.
Com o nome de Licença ela era conservada.
Quem tinha a permissão a levava decerto.
Ia de mão a mão, numa disputa intensa.
Era hábito se ouvir: - Professora, a Licença! (04-07-1991)
04
Certa peça de madeira, a fera palmatória,
sempre ardia na mão do aluno desatento.
Na hora da sabatina ela era vexatória.
A cada palmatoada, um ai de sentimento
se ouvia do infeliz que perdia a memória,
e logo a mão ardente era abanada ao vento.
No meu tempo era assim: palmatória na escola,
e em casa, bem vivaz, qualquer coisa de sola. (05-07-1991)
05
Rádio, quando chegou, foi um grande sucesso.
Era a acumulador, pois não havia energia.
Era considerado o máximo progresso
e só em casa rica era que ele surgia.
Quando o povo corria, era o Repórter Esso,
o programa que dava as notícias do dia.
Faisqueira não tinha as notícias pra dar,
por isso se fartava escutando as do ar. (09-07-1991)
06
Para o faisqueirense ir até sua cidade,
existia canoa, havia montaria.
Se alguém ia de rede, ia em calamidade,
mas era mesmo a pé que andava a maioria,
se movendo em conversa e com hilaridade.
Ninguém sentia pressa, havia calmaria.
Se o tempo era de chuva havia lama no chão.
Os pés ficavam nus e os sapatos nas mãos. (13-07-1991)
07
Todo ano havia festa em nossa Faisqueira.
Dez dias no seu todo, a contar as novenas.
Cada dia um patrono avivava a zoeira.
Os foguetes, o céu, riscavam às dezenas
em veneração à Santa Padroeira.
No dia principal era gente às centenas.
Missa e procissão, festa em largo e salão,
e também bofetões havia no Festão. (06-08-1991)
08
Eu e mais uma irmã, em um certo Festão,
primeira comunhão iríamos fazer.
Foi ela, antes de mm, fazer a confissão.
Viu-se ante um velho calvo e barbudo a valer.
Entrou logo em terror, crendo ver o papão.
Ele era um terno frade exercendo o dever.
Quando vi Alaíde a correr em berreiro,
não sabendo a razão, caí fora ligeiro. (07-08-1991)
09
João Batista, um forte, era um carregador.
Costumava fumar um charuto ao deitar.
Numa época junina, armei-lhe um dissabor.
Um foguinho prateado em um tal fiz entrar.
Pouco antes de dormir foi sentir-lhe o sabor.
Ao lado da mulher começou a pitar.
Muito não demorou e o quarto clareou.
Eles deram um tremor e a cama desabou. (09-08-1991)
10
Certa vez fui caçar com Gilberto, Adriano,
Belmiro e Salvador, cada qual bem armado.
Uma cotia, o cão farejou sem engano.
Salvador se postou na trilha engatilhado,
tendo a arma, para cima, a boca do seu cano.
De repente a cotia espirrou ao seu lado.
Salvador o gatilho apertou logo ao léu.
Ela passou no chão e o tiro foi ao céu. (10-08-1991)
(continua)