BRINCADEIRA de CRIANÇA.

 

Brinquei de carro feito de lata de leite ninho:

subia e descia ladeiras transportando sonhos.

Brinquei de bola de gude,

Fui criança o mais que pude.
Brinquei de pião na palma da minha mão:
ele queria ler meu destino, mas eu não!
Brinquei de cabra cega,
sem saber que "bode bom não berra";
Brinquei de queimado –
ética que não me permite, sendo adulto, incendiar índios!
Brinquei de subir e descer ladeiras:
hoje subindo, desço!

Descendo subo caminhos incertos, deserdados de ontens.
Brinquei de bater na porta dos vizinhos e me evadir:
quando mamãe sabia o pau comia pra eu sentir.
Brinquei de esconde-esconde:
o bonde do amor só tem mistérios, por que de mim se esconde?

Brinquei de contar histórias, hoje conto as horas;

Brinquei de circo, hoje pago alguns micos;

Brinquei de pai e de mãe e de médico:

hoje como pai, fecundo o dia e a noite pro meu açoite;

hoje como mãe, dou colo aos filhos que a vida abortou;

hoje como médico, prescrevo remédios contra solidão,

inveja, discriminação, egoísmo. Nem sempre consigo, mas vivo.

Brinco de mim: uso brinco, não minto.

                      Faço festa comendo um bolinho de bacia.

                      Da varanda, teimosia: vejo quem passa e acho graça;

                      Da vida, invento vida, por absoluta teimosia de mim...