NADA COMO ANTES...
Um dia já fui criança,
Brincando pelas campinas,
Sonhando com as meninas
Que encontrava no rio.
Ficava de molho n’água
Lavando a minha mágoa,
Tremendo roxo de frio.
Olhava a passarada
Cantando no arvoredo
A revelar seu segredo,
Alimentando paixão,
E eu sorria feliz
Ao mundo como quem diz
As coisas do coração.
À noite, lá da janela,
Estrelas eu namorava.
Ensimesmado ficava,
Sonhando a cada instante.
No espaço sideral,
O meu sonho especial
Fazia-me um viajante.
Por onde quer que eu fosse,
Por um imenso planeta,
Ou num luzente cometa,
Em tudo eu podia ver
O vulto de uma menina,
A emoção feminina,
Que me lembrava você.
Mas o tempo foi passando
E de tudo que fui vendo,
Sorrindo ou sofrendo,
Aos poucos me transformei.
Porque o que eu gostava
No meu passado ficava
Por qual motivo, não sei.
Da roça fui prá cidade.
Da grama pro calçamento
Foi grande o sofrimento,
Contudo me acostumei.
Era um mundo inclemente,
No todo tão diferente
De tudo o que eu sonhei.
Não ouvia a passarada,
Mas uma amplificadora,
Com sua voz sofredora,
Atormentando minh’alma.
No burburinho da rua
Já não deleitava a lua,
Nem mesmo na noite calma.
As garotinhas dos sonhos
Sumiram da minha mente.
Passei a ver tão somente
As jovens lá do coreto.
Prá elas sempre sorria
E até mesmo escrevia
De vez em quando um soneto.
Sonhando sempre ficava,
Porém o tempo voraz
Me transformou num rapaz
Com uma dúvida atroz:
Cuidados tenho que ter
Na luta para viver
Nessa disputa feroz.
Passei de um lado pro outro
Nos bancos que fiz leitura,
Entre o sofrer e a brandura,
Buscando o que eu queria.
Saltando pedras, barrancos
E entre os solavancos
Senti-me um vencedor.
Contudo, quando me deito,
Fico tristonho a pensar
Que o tempo como um mar
O meu sonho naufragou.
De uma criança feliz,
Deixou somente a raiz
Com um resquício de amor.
Com toda minha andança,
Os rastros pelo caminho
O vento em desalinho
A minha marca desfez.
Deixou u’a dor tão sentida
Que a própria essência da vida
Marcou minh’alma de vez.
Os jovens hoje festejam
O que encontram na vida
De uma forma estendida
A todos da geração.
Não sabem que essa beleza
É o mínimo da natureza
Em fase de assolação.
Aí me chega a saudade
Feroz a rasgar no peito
Imenso sonho desfeito
Que jamais será presente.
Por mais que tente seguir
Os jovens para o porvir,
Eu sempre estarei ausente.
Os risos que a face mostra
Não mostram toda a verdade,
Nem mesmo a realidade
Que povoa o coração.
Contudo o riso gritante
Não passa de irritante
Retrato da ilusão.