Vizinhança Provençal
O poema imperfeito, perfeita síncope
Queda súbita da pressão arterial
Poema colapso circulatório
Versos objetivos, subjetivos
100 duplicatas a pagar
Diante dos olhos os acordes mudos
100 protestos no cartório dos aflitos
Os políticos buscam os votos pops
Nas tribunas institucionais dos "clips"
Meu braço direito serve-me tão melhor
Ou igual que o esquerdo
O lado esquerdo de meu cérebro direito
É vice-versa
Deus só sabe contar até um
Ele sabe contar apenas
Suficientemente, até eu
Coletivo eu individual
Deus canta um naquele que leu
Meus grupos de letras e sílabas
As palavras saltam para cima
Na onda que quebra na praia
Cada onda um espectro do eu
Vinda do mar do Id
Salta literalmente
Na sincera busca de uma rima
De uma essência que não mente
A métrica grega dos laticínios em inglês
Vira matéria-prima poética consciente
Lata, bocarra inorgânica, trush
O lixo salta das prateleiras
Como por mágica
Para a decoração da sala de jantar
Da cozinha, do banheiro sanitário
Na prateleira do freezer
Fantástico: o merchandising
da tv direto para o vaso
Não inutilmente diluído passa
Ao status de sanitário
Na uretra, na uréia, gonorréia do poeta
Desse ciclo do eterno retorno das latarias
Farfalha o orgasmo no lixo e a serpente cicia
Ferra os dentes no vermelho frio
Da jugular tropicália
Grupos de letras e sílabas
Saltam para a frente
Nomeiam-se miríades de sementes
Na areia. Perene busca de uma inútil rima
Saltam na espuma litorânea
Vindas de algures
Divertem-se como uma criança
A mastigar pela primeira vez, pipoca
Na mais vertical vertigem
Da montanha russa que em ondas
Se alvoroça. As asas das palavras ruflam
No crocitar da gaivota no cio
Tentando imitar o Corvo de Poe
Por vezes como Arcanjos lerdos
Obtusas palavras ainda sem nitidez
Buscam a simetria da linguagem
Movem-se as asas desse ciclo de águas
Em busca de uma rima na terceira margem
Cantante, cafuza, penetrante, aguda
Quantas promessas indóceis
Cavalgam nos dorsos fósseis na praia psi
Em busca de um autor
De um lugar privilégio
No tobogã do poema
Que ainda não se sublevou
Nem saltou das aliterações de Tennyson
Aquele outro detrás das grades
Da autocensura não ousa sair
Um Poeta lê O Inferno
E tudo que saca dele é que seria
Um bom enredo na Marquês de Sapucaí
Ah a natureza silábica das colmeias
Na música de Mozart e Rimbaud
As letras em versos e as notas musicais
São as mesmas dos outros
Compositores e poetas
Mas não os universos astrais
Outras dimensões semínimas e colcheias
Olha aa acentuação tônica
Aquele hexâmetro datílico
Não são palavrões
São sentimentos racionais
Suas sessenta e quatro formas básicas
Oi, galera de caubóis, fúteisboys banais
A língua pode proezas e raridades
Ficar torcendo pelo gol
Gol enquanto palavra
Poeta, é hora de desadormecer
As musas, tirá-las das vagas gerais
Desdomesticar esse vocal bulário
A turma da literatura
Criar poesias sem as prescrições
Das bulas nas farmácias dos forrós.
Abriguem as palavras em rimas
Dante, Sófocles, Homero, Sidarta
Todos nomes desconhecidos
No Morro da Dona Marta
Pra não mencionar aqueloutro
Perigoso marginal, o Ésquilo
Os dons que estão submersos
Amordaçados nas prateleiras
Das bibliotecas. As mãos sem viço
Colhem livros empoeirados
Na vida fóssil das estantes
Nos colégios ensinam os inúteens
A atrofiarem a semântica
E a enterrarem a guitarra
E o copo de vinho
Na vida em retrocesso
Na falta de caminhos
Enquanto as ondas clamam
Energia e saúde. E as palavras
E canções desejam alhures
Serem colhidas na praia
Dos que não temem viver a juventude