DEVANEIOS

Perigo senti

quando a porta abriu

e você não surgiu.

Parado fiquei.

Dei dois passos, entrei.

O vazio era tão grande

que nada restava.

Mas perambulei

por cada peça vazia,

e ainda sentia

teu perfume ali.

Entrei na cozinha,

na sala, no quarto,

na varanda, sacada.

Até no espaço

da empregada.

Mas não te encontrei.

Sonhei com cada cômodo

daquele apartamento.

Na sacada, te olhava.

Na varanda, te falava.

Na sala, te beijava.

Na cozinha, me esfregava.

No quarto, eu implorava.

Mas só no cômodo

da secretaria te sentias feliz.

Nos fazia sorrir.

Lembro teu sorriso,

teus dentes perfeitos,

do azul dos teus olhos...

Tua boca, teu corpo.

Sinto dor... Dói o meu peito.

Onde anda aquela cama,

nosso ninho de ternura?

O lençol desalinhado,

nossos corpos

aqui parados.

Tu me olhas,

eu te olho.

Sou um louco.

Apaixonado.

Observo a sala.

Já ninguém mais fala.

Não escuto tua voz.

Assim como os lençóis

não estão no apartamento,

nem mais os juramentos

que refutavam a tristeza

não pertencem mais a nós.

Olho aquela cozinha fria...

E sinto saudade do cheiro

dos temperos

da comida que fazias.

Entro no quarto,

abro as janelas.

A claridade não entra,

você não está aqui.

Para que insistir,

se a luz apagou,

mais nada restou.

Então saio...

Saio dali

Deito no chão da varanda,

olho para o teto,

para o espaço vazio.

Sinto o perfume

que exalava do corpo,

que pedia: - Me ame aos poucos,

mas não saias daqui.

Lembro dos teus braços, abraços,

dos teus olhos,

olhares, bocas e beijos.

Promessas de vida.

Caminho em direção a sacada.

Já no parapeito,

fico sem jeito.

Olho para baixo.

Será meu ultimo dia,

última hora,

minuto,

segundo.

Então me viro.

Sei que vou morrer.

Morrer de saudades,

mais nada importa.

Atiro-me em direção à porta,

saio em debandada.

Na correria, encontro

a mulher que me dá vida.

Diz: - Calma, paixão,

olha para mim,

já estamos de partida.

Quantas lembranças

vamos sentir

deste ex-ninho do amor.

Seja como for,

jamais sofrer pelo passado.

Saber que quero morrer,

vivendo ao teu lado.

Quando pergunto a ela

Se, nesta nova morada,

teremos um quarto

de empregada,

ninho de ternura,

ela diz:

- Como quiser,

agora sou tua mulher,

não precisas mais esconder.

Se ainda queres viver

uma vida de loucura,

não voltaremos mais

para aquele apartamento.

Ficaremos a sonhar,

imaginando

cada sorriso,

cada beijo,

cada carinho,

cada momento.