Serra da Mata Fria
A friagem da noite vai crescendo enquanto a meia lua passeia pelo céu
E eu aqui sentado na terra vendo estrelas, não me importo com mais nada
Com lágrimas nos olhos vou lembrando tudo o que já se foi
As saudades que eu sentia desse cheiro de mato fresco
Desses riachos escuros e da terra molhada de sereno bravo
Quanto tempo faz que a vida deixou de ter sentido?
Ao longe, a matriz de Mairiporã vai e volta por entre a névoa baixa
E as águas inquietas da represa refletem a mudança suave do luar
A lua não tem pressa, segue dançando entre a serra e o nevoeiro
E aqui em cima, na serra da mata fria, a noite me carrega de lembranças boas
E de repente todas as minhas palavras saem tremidas
Sussurros e memórias quase apagadas
Meio embebidas no nuance entre vinho e poesia
No meio do mato olhos refletindo a noite me observam como irmãos
Aqui eu não sinto medo, é daqui que eu faço parte
As silhuetas dos montes e vales escuros desaparecem no vai e vem da noite
Todos os anos que essa terra já passou vão e voltam misturados no ar
As boiadas, o rosário dos negros, os casarões, tudo isso foi embora
Mas o que ficou foi a lembrança, foi o povo, as pegadas firmes na terra molhada de suor
As ruínas das olarias, os pescadores de madrugada com seus lampiões na beira d’água
Mas o vale frio, meu vale da música, meu vale de silêncios e segredos
Com sua imensidão de montanhas e lagoas me embriaga de nostalgia e alegria
E suas águas refletem um fogaréu de velas, a romaria de um povo de fé
É aqui que eu fiz minha casa
Na terra onde o capim e o cavaleiro andam juntos na lembrança
Uma lembrança gostosa na beira da fogueira, lembrança dos amigos que não voltam mais
Onde os corações se juntam pra ouvir a viola no calor da brasa
No cabelo molhado de sereno, no frio que corta a alma
É aqui que os viajantes contam minha história
Meu sumiço só se explica pela saudade e pela paz de estar sozinho
Enfim posso estar com todos os que amo
E ser feliz, mesmo imerso na solidão e no silêncio da floresta
Um túnel de memórias e lamentações
Injustiças vencidas pela força do povo
Permaneço em silêncio, contemplando a insignificância das coisas
No topo de um morro qualquer, onde eu me deito e durmo
Nos remansos da mata fria