Circo da memória

Como ao final de espetáculo,

circo em vilarejo

-- lona remendada, maquiagem borrada, roupa surrada--

artistas retornam.

E acenam mãos felizes de gestos soltos.

E sorriam lábios largos e dentes em luz.

Indiferentes a cerzidos --peneira de chuvas--

à serragem--camadas de sobras--

ao picadeiro--trotes de falhas,

faltas,

sarabanda de esquecimentos,

culpas

-- hoje, cedinho, voltaram.

Todos.

E, em sintonia cronológica,

juntaram-se, lado a lado,

numa fotografia.

Súbito, ao pano de fundo da parreira,

agora virtual,

abro aquarela realista de outra,

há muito sumida.

E lá estão avós e bisavós

e a tia viúva.

Alguns sorrindo.

Outros carrancudos.

Até parentes quase esquecidos

olham para dentro de mim.

Os mais velhos sentados

e uns moços,

hoje tão velhos, de pé.

E, nós, crianças,

no carinho macio dos sentados.

Éramos loiras e miúdas

-- frágeis e assustadas--

sob a sombra da parreira,

em preto e branco,

daqueles adultos.

E os pais deslocados

entre convivas tão sisudos.

E os pais jovens,

a mãe tão grávida e bonita,

mas de olhar distante.

E a parreira em gris os absorve.

E a menina de curativo no joelho,

e a menina com olhar de medo,

e a menina de olhos azuis,

e a menina na barriga,

e a menina de sete anos mais tarde,

depois do clique da câmera,

vestidas de arco-íris,

rodopiam pelo picadeiro,

balançam-se em trapézios,

brincam com ursos,

tigres e leões.

E jogam para a platéia

cachos de uva moscatel.

Ilram Rekrem
Enviado por Ilram Rekrem em 19/10/2009
Código do texto: T1874955
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