Circo da memória
Como ao final de espetáculo,
circo em vilarejo
-- lona remendada, maquiagem borrada, roupa surrada--
artistas retornam.
E acenam mãos felizes de gestos soltos.
E sorriam lábios largos e dentes em luz.
Indiferentes a cerzidos --peneira de chuvas--
à serragem--camadas de sobras--
ao picadeiro--trotes de falhas,
faltas,
sarabanda de esquecimentos,
culpas
-- hoje, cedinho, voltaram.
Todos.
E, em sintonia cronológica,
juntaram-se, lado a lado,
numa fotografia.
Súbito, ao pano de fundo da parreira,
agora virtual,
abro aquarela realista de outra,
há muito sumida.
E lá estão avós e bisavós
e a tia viúva.
Alguns sorrindo.
Outros carrancudos.
Até parentes quase esquecidos
olham para dentro de mim.
Os mais velhos sentados
e uns moços,
hoje tão velhos, de pé.
E, nós, crianças,
no carinho macio dos sentados.
Éramos loiras e miúdas
-- frágeis e assustadas--
sob a sombra da parreira,
em preto e branco,
daqueles adultos.
E os pais deslocados
entre convivas tão sisudos.
E os pais jovens,
a mãe tão grávida e bonita,
mas de olhar distante.
E a parreira em gris os absorve.
E a menina de curativo no joelho,
e a menina com olhar de medo,
e a menina de olhos azuis,
e a menina na barriga,
e a menina de sete anos mais tarde,
depois do clique da câmera,
vestidas de arco-íris,
rodopiam pelo picadeiro,
balançam-se em trapézios,
brincam com ursos,
tigres e leões.
E jogam para a platéia
cachos de uva moscatel.