Lembranças de um tempo encantado

Um alpendre todo em madeira, em frente a um verde gramado, enfeitado por cajueiros, formando um reino encantado.

Nos mangueiros bois a pastar, caprinos em profusão, ovelhas lanosas, tranqüilas, na sombra fugindo do sol.

Calangos e lagartixas corriam por todo lado, e lá no fundo da mata, ouvia-se a alegre cantata da rolinha fogo-pagô.

Na majestosa cancela, o assum preto empoleirado, mostrava pro visitante a bela Fazenda Pau Preto, lugar dos mais afamados.

Como era bom o ser guia à frente do carro de bois, embalado pela sinfonia que de suas rodas provinha, num chorar açucarado.

Zé Migué, carreiro rijo, firmava pé no batente, domava touro valente e punha a canga nas juntas, prá andar emparelhadas.

Trazia carga pesada com três juntas de bois taludos, prá fazenda abastecer, de lenha e farinha torrada.

Quando chegava a tardinha meu tio me requisitava pros caprinos arrebanhar: ouvia de muito longe o chocalho do desgarrado.

Ah quantas saudades carrego, dos tempos em que galopava atrás de boi desviado pelos calumbis adentro.

Não tinha medo de espinho, nem mesmo de cobra jibóia; mas temia de verdade, o riso do Curupira e o cantar do Caipora.

Ouvia histórias de Onça, de aparições encantadas, contadas à luz das fogueiras, em noites enluaradas, em que pasmados não víamos o lento passar das horas.

Hoje distante de tudo, em selva de pedra perdido, recorro à memória banzeira. - Minha fiel companheira, vá e me traga ligeira, não deixe ser esquecido - os meus melhores momentos.

Entre os meus sete e os dez anos de idade o mundo tinha uma tonalidade muito mais viva e sabores bem mais peculiares do que os que hoje percebo. Ainda faço coalhada do jeito tradicional, buscando resgatar o mesmo gosto das daquelas que fazíamos na cabaça e, quando pronta, tomávamos com muito apetite logo ao nascer do sol, antes de empreendermos aos outros trabalhos na propriedade do meu tio Joãozinho Curvelo. Para mim, um tempo muito especial, gravado com letras de outro no livro de minhas recordações.

Vale do Paraíba, noite do segundo Domingo e 2009

João Bosco (Aprendiz de poeta)

Aprendiz de Poeta
Enviado por Aprendiz de Poeta em 11/10/2009
Código do texto: T1859532
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