VOVÓ NENÉM
Inda lembro da figura
Alta, magra e tez morena
Muito carisma e candura.
Seus cabelos eram lisos
Longos e brancos qual neve
Na face um eterno sorriso.
As mãos cheiravam a tempero
Daqueles gostosos quitutes
Preparados com esmero.
Trazia por trás da orelha
Um raminho de arruda
Tinha pouca sombrancelha.
A risada era engraçada
Rouca que até parecia
Não sair a gargalhada.
De saia longa e casaco
Luto eterno aliviado
Por flores de brilho opaco.
Nos bolsos do casaquinho
Sempre havia alguns tostões
Para agradar os netinhos.
Mas quando a grana faltava
Eram torrões de açúcar
Que a velhinha portava.
Distribuia um por um
Pondo-os na boca dos netos
Num ritual incomum.
O quintal da Vó Neném
Cheirava a rosa, jasmim,
Resedá e patchuli.
Frutas como nunca vi,
Porcos, galinha e saqué
Havia até jabotí.
Um rego d'água existia
Onde eu soltava barquinhos
De papel, quando chovia.
Foi ainda no quintal
Que vi Vovó praticar
Uma proeza sem igual:
Estando longe o banheiro,
De pé - e um afastar de pernas -
Fez pipi lá no terreiro.
Tudo muito natural
Pois a saia bem comprida
moldada sob o avental
Cobria qualquer visão
Como cortina de um palco,
Na mais pura discrição.
Pareço ouvir a fontana
Tal qual cena de Fellini
Em comédia italiana.
Minha Vó era um barato
Velhinha alegre e bondosa
Minha madrinha, de fato.
Demonstrando seu carinho
Não me chamava de Cyro
Deu-me o apelido de "Linho".
Toda vovó é querida
Mas Vó Neném - Dona Emília
Foi um anjo em minha vida.