Vidas
Nas escadas da minha rua
Tenho dias que me
Canso de todos os degraus.
De pé,
Olho, como quem
Nada quer ver,
São olhos rasgados
Pela repetição do
Ontem, sempre
Igual ao antes de ontem.
Cada degrau uma história,
Uma memória,
De gente sem nome.
Subiam e desciam
A vida sem saber,
Em degraus talhados
Pelo destino.
Para uns, altos
Para outros rasos,
Mas alguns sem sabedoria
Só os viam:
Inclinados, enrugados,
Viciados.
Eram degraus que sempre
Desciam
Sem nunca parar.
Havia momentos
Em que os degraus
Se vestiam
Como romarias,
Engalanavam-se
Deixando passar
Perfume importado
Empoleirado em tacões
Esbeltos e Nobres.
Os cavalheiros
Sempre altivos, arrasam
Os degraus com sorrisos
E vénias
Soltam ares de compaixão
Para a pobreza árida.
Olhos cegos não vêem
Degraus, coçados,
Lustrosos, partidos, doridos,
Feridos…
De tanto sentar,
Todos marcados
Pelas vidas perdidas
Do sobe e desce.
Num canto, gasto
Pela diferença,
Dos que nascem assim,
Agiganta-se a imagem do pedinte
Sem pernas, sobe e desce
Na vida de quem passa.
E de mão estendida
Solta sempre a mesma fé
- Deus o abençoe!
O sorriso da caridade
Emprestava ao degrau
A dignidade que lhe faltava.
A vizinha sempre à janela,
Lia as horas dos que ali
Passavam.
Muda pela dor do que via,
Murmura palavras invisíveis
De quem tudo sabia.
Via escadas sem fim onde
Mulheres em azáfama
Conquistavam fama
De tanto subir e descer.
Hoje, fatigado, não Subo
Nem desço Escadas.
Relembro de pé,
VIDAS,
Que por ali passaram.