MEU CAMPÔNIO
(Uma homenagem aos pais)
Miguezim de Princesa
Caminhavam buscando o pão da vida,
Com o suor de rostos já cansados,
A enxada nas costas, dois machados,
Uma tirrina de barro, com comida.
Uma parada de descanso – na subida.
Uma golada de água – na cabaça.
Seguiam em frente, erguendo a bela taça
Da coragem, resistência e da bravura,
Os pendões que enfeitam a agricultura,
Os grãos que alimentam toda uma raça.
De uma cova rasa nasce o pão da vida,
Que mata ainda a fome de milhões
Na terra que resiste às agressões,
Estuprada, sangrando da ferida
E da fumaça que murcha a margarida.
Também numa cova rasa uma criança,
Olhos cerrados por falta de alimento,
Não lamenta, mas exprime seu lamento
Nos que morrem devagar, sem esperança.
Meu velho pai resistiu até a morte.
Inda me lembro do chapéu de massa
Que ele entortava na testa, cheio de graça,
Exalando um cheiro de suor bem forte.
Era um cheiro tão bom que sua consorte
- minha mãe, sua companheira de jornada –
Ficou eternamente apaixonada.
Os heróis da agricultura então se amaram.
Buscando o pão da vida, eles geraram
Os grãos de sua eterna caminhada.
Um terno de linho branco que envergava
Aos domingos, imitando um burguês,
Transformava aquele lindo camponês
Que, entre um gole e outro que tomava,
A sua alegria de campônio festejava;
Na segunda, era real o mundo:
O campônio, primeiro sem segundo,
Com a enxada, a cabaça e o machado,
De alpercata de rabicho, no roçado,
Vestia uma camisa volta-ao-mundo.
Era uma camisa frágil, era azul,
Que brilhava ao sol da minha terra
Quando ele subia aquela serra,
A uma légua da Pedra do Urubu...
O velho, a sede mata com umbu.
Ao passar no umbuzeiro, um pássaro atrai
Que, com sede, em suas costas cai
E bebe o suor de sua camisa
E, satisfeito, em seu corpo desliza...
Como era bela a camisa do meu pai.
O camponês também fotografava.
Eram rostos os mais diferentes,
Rostos lindos e bocas sem dentes,
Caras de quem comia e não gostava.
Com o tripé e o caixão, ele andava
Como um trem que nunca sai dos trilhos,
Como estrelas que possuem mil brilhos,
Muito mais de mil léguas ele andava.
Andava, perdia-se na estrada e não cansava
E punha o grão na boca de seus filhos.
Surgem na vida do campônio o sindicato
E um tal de “Leis” Complementar número 11.
O troféu de ouro, prata e bronze,
Carimbado para sempre em seu retrato,
Os matutos carregam pelo mato.
E carregam porque têm certeza
De que coragem rima com beleza,
Que serão abundantes leite e mel
E que um camponês como Miguel
É como chuva no sertão de minha Princesa.
Era forte, o camponês, era valente,
Mas virava menino, com certeza,
No dia em que a linda camponesa,
Depois de amamentar, cuidar da gente,
Fazia da sua careca reluzente
O centro das atenções, quem sabe, o Céu.
O doce beijo de Emília em Miguel
Era mágico, tão mágico que ficava
Nas marcas dos beijos que ela dava
Um beija-flor desenhado num papel.
Um dia o meu lindo campônio viajou.
Fez uma viagem longa pro infinito.
Foi um vôo do pássaro mais bonito,
Tão suave e sereno que a dor
Que arrebentava o nosso peito suavizou.
Dizem que ele morreu, eu digo não.
Ele vive nas festas do Cancão,
Nos vastos campos de feijão e milho.
Vive no coração deste seu filho.
Somos um só: a mesma alma, o mesmo coração.