É o tempo que passa

O culpado de tudo é o tempo

Que passa

Que leva tudo consigo e deixa as marcas

As rugas do destino

As vias de contramão

E as passagens com mão única

O culpado de tudo sou eu

Que não resisti a esse tempo

Que acreditei ser imortal

Quando na realidade

Meu frágil corpo revela

Que sou apenas farelo de pão

Jogado na toalha da mesa

E esquecido por todos

O culpado de tudo é o tempo

Que não me contou que tudo era efêmero

Que nada iria ficar comigo

Que seriam apenas lembranças

De um tempo que passou

E como me lastimo por ter perdido

Boa parte da vida

Por acreditar que teria mais

Sempre mais

Mais amores, mais paixões

Mais vida, mais saúde

Mais dinheiro, mais vontade

E de quem é a culpa: é do tempo!

Que foi impiedoso

Que me trouxe a saudade quando na verdade

Eu queria sorrir

E a lágrima que escorre

Mostra o vazio de meu peito

O vazio de minha vida

Ah, feliz daquele que o tempo já levou

Que habita outras orbes

Que transita em tempo contrário ao meu

Que não sente nostalgia

E nem se incomoda com mais nada daqui

Ah! Tempo culpado demais

Perdoa a minha ignorância e conserva-me menino

Perdido nos telhados da casa velha

Aquela mesma casa onde fui tão feliz

Nas noites longas de frio

No calor do verão

Onde sempre estávamos nós, todos nós

Tempo, não me deixa sonhar acordado

Tira essa culpa de minhas costas

A culpa de ter sobrevivido

A culpa de não ter culpa alguma

A culpa de achar que tudo está errado

Ah! Tempo, perdoa-me

E leva-me na hora que for necessário

Deixa sim todas essas lembranças,

Alegrias e mágoas

Para lavar minha alma e purificar

A vida que vivi

Os sonhos que sonhei

Tudo o que realizei e o que não

E me perdoa por não ter sido capaz

Perdoa pelos amigos que não entenderam nada

Perdoa por não ter tido paciência para explicar

Perdoa tudo. Tudo!

E o culpado, Tempo, sou eu mesmo!

Por ter achado

Por ter suspeitado

Por ter levado sem nem sequer poder carregar

E me perdoa por insistir

Eu precisava

Eu preciso

Eu queria e quero

E desta vez, Tempo, espero acertar!

Poesia publicada no livro Viver: um jogo perigoso, Editora In House (2009)