A gota

Me deu de repente uma vontade de chorar.

Uma vontade de colocar para fora toda a tristeza e saudade que sinto ao mesmo tempo e não sei separar...

Me veio na mente como um 'flash'

todos os momentos em que eu era feliz e não me dava conta.

Todos os momentos em que deixei a felicidade escorrer por minhas mãos,

caindo no chão e se juntando com tantas outras coisas que nem sei o que são.

Todos os momentos em que deveria ter chorado ao invés de simplesmente guardar o choro ou me enganar fingindo que esqueci.

Respiro fundo e sinto o cheiro de tudo o que me é antigo

e ao mesmo tempo raro.

Fecho os olhos e revejo os meus amigos ao longe, ou bem perto.

Mas consigo ver todos eles.

Um a um eles me olham e me abraçam...

Após isso se vão, deixando lembranças e mais saudades...

Sinto falta do tempo em que tinha tempo para ser o EU o tempo inteiro.

Em que não precisava me esconder das coisas da vida.

Sinto falta do tempo em que a minha felicidade era igual em relação a felicidade dos outros.

Sinto falta dos meus amigos.

Dos que não vejo.

Dos que perdi.

Dos que deixei.

Dos que me deixaram...

Sinto falta do sol e da pessoa que me amava

(e que talvez eu amasse também).

Sinto falta da música e dos filmes.

Dos momentos.

Das dores.

Sinto falta do tempo em que a felicidade me escorria pelo corpo,

e deixava um rastro por onde quer que eu passasse.

Sinto falta do tempo em que eu achava que tudo era azul;

descobrir que existem cores nas coisas

e por isso elas são diferentes me dói demais.

Tenho medo de que um dia minhas lembranças,

que são tudo o que tenho,

morram junto comigo.

Tenho medo que um dia eu me frustre por causa da felicidade dos outros.

Tenho medo de um dia as pessoas deixarem de me amar.

Tenho medo dos meus sonhos não seguirem o caminho que tanto anseio.

Tenho medo de um dia não alcançar mais o céu com as mãos.

Tenho todas as minhas lembranças guardadas dentro de mim...

Olho pela janela e vejo luzes,

e imagino que cada uma delas

sejam sonhos.

E cada uma que se apaga,

apaga também uma lembrança.

Uma gota solitária e triste se forma em meu olho.

Ela não cai. Queria que caísse. Precisava que ela caísse.

Seria um sinal de que consegui me fortalecer.

De que consegui expôr o que queria.

Mas ela não caiu. Não se rolou.

Talvez tenha achado melhor não rolar.

Me poupar de todo o sofrimento que ela jogaria para fora.

E me proibiria de sentir aquilo outra vez.

Acho que saudade não é tão ruim assim...

Ela mantém vivo o que a gente julgava estar morto...

Ela nos faz ter a certeza de que estamos vivos e somos gente.

Pensante, errante.

A gota que queria derramar finalmente caiu.

Mas dessa vez sem dor.

Foi felicidade e saudade.

Sem dores.

Sem dores.

Apenas a gota que me fez lembrar que estou vivo.

Que ainda sou capaz de amar,

de ser feliz.

Apenas a gota que me fez ver que, apesar de tudo,

ainda sou feliz.

Talvez até mais feliz que antes!

A gota que me fez ver que sou,

a cima de tudo,

alguém capaz de sentir...