O HOLOCAUSTO DOS PEIXES
Um dia meu rio entrou num impasse
As águas, outrora alegres, pararam de correr
Vieram do fundo milhares de gemidos
Aflorando à superfície, não mais plácida, mas oleosa
E a maré tinha milhões de bocas
Balbuciando no dialeto dos peixes
Que me doía porque eu podia entender
Eu, que me formara na universidade das águas
Onde mergulhava de olhos abertos entre as
Lâminas prateadas, fugidias
Agora ali, naquele estertor sem dignidade
Sem possibilidade de fugas misteriosas
Não. Eu podia apanhá-los com as mãos
Sem necessidade de iscas estratégicas
Os corpos moribundos na lenta agonia
Ao fim do dia nenhum mais se debatia
Acumularam-se endurecidos nas margens
Como se fossem as vísceras expostas do rio
Que não mais trovejava ao se rasgar sob a ponte
O rio ia inerte, havia sido vencido
Assistimos, estupefatos, ao imenso cortejo
Os meninos, os crustáceos, as brancas garças
Éramos órfãos que se dispersariam pelo mundo