Passei a limpo saudade, rasgueia papéis e lembranças
Passei a limpo saudades
Rasguei papéis
E lembranças
Revi fotos de quando criança
Do tempo que ia ao cinama na vila
Revi os filhos pequenos
E tudo me pareceu um filme mudo
Um rolo infindo
E cheio de detalhes
Fiz um balanço das contas
Para o próximo Imposto de Renda
Mas os números
Não bateram
Com o que tenho e contabilizo de poemas
E rasuras tantas que acumulo
Lembrei-me de viagens
E planejei o futuro
Como quem quisesse mudar o passado
Desejei ter amado mais
Como naquele texto popular
Ter beijado mais meus pais
E não ter ficado bravo com os filhos
Ter compreendido mais
Me irado menos
E por não ter posto em prática os conselhos
Da sua santidade, do Dalai Lama
Passei a limpo saudades
E lembranças
Nuances que já tinha perdido no tempo
Espalhei a poeira da estante
Esvazie gavetas
E me perguntei por que guardo há tanto tempo
Detalhes
Parafusos pequenos
Chaves que já não abrem mais nada
Limpei a gaveta das mágoas
Das águas passadas
E desatei uns dez nós no peito
Desses apertados, apesar de puídos
Achei tralhas no fundo, nos cantos
Linhas
Botões que caíram do paletó antigo
E que nem sei por onde anda, onde deixei.
Planejei fazer trilhas na mata
O Caminho de Santiago
Enfim, fiz um resumo do meu mundo
Coloquei as resoluções em pastas
Papéis velhos no lixo
E o que ainda presta no arquivo
Passei um pano com álcool na mesa
Tomei um banho
Escrevi esse texto e me deu uma vontade imensa de ver gente
De tomar a garoa que cai agora
De esquecer as horas e seus minutos
O passado
E me ater a esse momento que almejo
E curtí-lo
antes que seja findo
e vire só lembrança, saudade.