Poesias de amor nas entrelinhas

BORRASCA I (2003)

Dizem que o vento é triste, mas não sinto

nem na brisa suave ou na rajada

violenta qualquer coisa que chamada

possa ser de tristeza; o que pressinto

nesse vento é uma fúria assustadora,

por não poder ser mais que movimento:

não raiva contra nós, mas sentimento

que não materializa a sedutora

farsa inútil por tornar-se material,

pois não passa de impulso natural,

transmitido às partículas do ar

e nem pode fazer-se espiritual,

pois as moléculas são poeira de metal

impulsionadas nos lábios do luar.

BORRASCA II

Mas o vento me penetra nos ouvidos,

a sussurrar, ao som de sepulturas,

de grotas verdes ou do ocre das agruras

as mil histórias de meus versos incontidos.

Durante a noite, pelas frestas inseridos,

dedos de vento a sibilar torturas

de velhos padres a lamentar tonsuras,

dos maragatos por coxilhas perseguidos...

E até parece ter um corpo vegetal

nesse perfume que me entra nas narinas,

odor agreste de espinilho e corunilha

ou então vibrando, numa fúria de animal

e quase enxergo suas garras assassinas

nesses mugidos que o escuro me perfilha!

BORRASCA III

O vento brada por saber-se apenas ar,

sem conseguir a carne viva me atingir;

somente o uivo que perturba-me o dormir,

mil pesadelos conseguindo despertar!

Então desperto, qual no leito a adejar,

pelos postigos seus fantasmas a rugir;

nada consegue, de fato, me ferir,

mas se pudesse as janelas me arrancar?

Como é possível que não tenha vida,

primeva força de total destruição,

trazendo a freio o raio, seu irmão?

Tanta obra dos humanos destruída,

propelida pela força de sua inveja,

vasta borrasca que meu telhado beija!

CORIZA DIVINA I (2003)

Enquanto eu erro, eu vivo, neste épico

despojar de mim mesmo na aventura;

busco o futuro enquanto a vida dura,

suborno a morte apenas, em estético

acesso de abandono a todo o eclético,

nesse epiléptico ardil de compostura;

arrasto o rosto até a completa desfigura.

no muco e linfa do coágulo do ético;

da lua as gotas me escorrem pela espinha,

do sol os raios estupram-me o umbigo

e o vento me atravessa como espuma,

tal como o amor, que só às vezes se avizinha,

escorre em sangue no crisol de tal perigo,

do nariz de uma deusa em meio à bruma.

CORIZA DIVINA II

Sempre haverá uma rede à minha espera:

um alçapé predisposto à minha tocaia,

a sentinela já alanceada na atalaia,

por esculcas do sonho e da quimera.

Uma armadilha haverá que reverbera

nos olhos verdes da serena vaia,

égua no cio que mal contém a baia,

e em seus relinchos lascivos deblatera...

Um fosso indisfarçado em que me lanço,

no desejo febril de outra aventura,

que só transcorre da mente no escaninho.

Trepidante de ardor, em sonho manso,

no ascético sabor dessa amargura,

mal contida no azedume do azevinho...

CORIZA DIVINA III

No momento em que na trilha o pé acerto,

finalidade eu aceito de afinais,

que para errar não terei ocasiões mais:

melhor manter-me do erro sempre perto!

Que a cada vez em adrenalina alerto

o corpo inteiro revolvendo no ademais,

repetições a prometer para o jamais

de não pisar doravante em tal deserto!

Mas quem diria? Se mais erros não cometo

que triste a vida se faz de monotonia!

Mais repulsiva se faz que a própria morte!

E no vagão de meus erros me aboleto,

largo o horizonte que à minha frente via.

sem acertos a aguilhoar-me à boa sorte!