Dia de mudança
Sento na cadeira, abro o 'bloco de notas'.
Reflito que possa ser a última vez aqui,
E começo a escrever...
Dia de mudança:
Caixas empilhadas na sala,
Sala em que um dia
eu trouxe namorados, escondido,
que um dia, nua, me deixei ser bruxa,
que um dia, entrei bêbada
como quem não quer nada,
e para que a mãe não veja,
corri para o banheiro lavar o rosto.
Dia de mudança...
Coloco músicas que costumava ouvir, para tocar.
Vou tomar meu banho.
Essa casa já estava me expulsando daqui,
"Saia, tu e as tuas lembranças de sempre!
Caras infiéis, roupas pelo chão,
incensos, lenços, sonho, choro e amigos,
solidão e amor"
Quer musicas para dançar em dias de nostalgia?
Pegue uma caixa e as coloque dentro,
uma fita adesiva e feche a caixa, de papelão,
coloque no carro a caminho do novo lar.
Na área, a vista era do horizonte inteiro,
tenho fotos dessa visão.
Eu gostava de sentar no chão dessa área,
meditar, pensar, chorar...
No inverno era melhor ainda:
melancolia e chuva, frio, vento, solidão...
Costumava falar comigo mesma, ali.
Inventava diálogos, dizia meus medos,
e fazia de conta que tal pessoa ali estivesse,
me ouvindo, e replicando.
O quarto era o lugar onde eu me escondia.
Sempre parava para desenhar ali,
ficava horas, ouvindo musica,
pensando, de novo.
Chorava por nada, ou por tudo,
falava com as paredes (amarelas e frias),
realmente, muita solidão.
Ali já fui abduzida, tomada por algum espírito qualquer,
exorcizada, também,
fui corajosa e enfrentei meus medos,
ali eu também fui muito arteira,
eu cresci ali,
fiz amor ali,
quarto, pequeno, meu lar.
E o que me resta?
Caixas empilhadas na sala, no quarto, na cozinha.
Móveis sozinhos, não tem porta retrato no balcão,
flores na mesa, não tem visão.
Caixas empilhadas na sala, em todo o lugar,
em todo o lugar, por toda parte...
lembranças minhas.