A RAINHA DO MAR 7/8
A RAINHA DO MAR VII
Feliz de novo o almirante, pois recebera
A jovem noiva do rei, carga preciosa,
Mas cujo véu, realmente, não entendera...
Quando indagou, ela respondeu-lhe, ansiosa:
“Bati com o rosto quando naufraguei,
Estou inchada, cheia de manchas, horrorosa!
“Pior ainda, perna e braço ainda quebrei
E nesses meses, sem ter um tratamento,
Soldaram mal... Acho até que me aleijei...”
Porque sua mãe lhe dera um bom ensinamento
Para explicar o horror de sua feiura,
Sem que pudesse haver contestamento...
Graças a tal desculpa sem lisura,
Foi a mentirosa até a real presença,
Fingindo ser inocente, boa e pura...
O almirante desculpou-se, com veemência:
“Majestade, aceito a culpa, inteiramente:
Não calculei uma borrasca assim tão densa...
“Se a pobre jovem se feriu, aceito totalmente
A culpa inteira desta infelicidade:
Dê-me o castigo que achar mais conveniente!”
Porém Dom João, com magnanimidade,
Que ninguém fora culpado declarou:
“Foi tudo apenas uma fatalidade...
“Que a pobre jovem torpemente lastimou,
Ficando assim tão feia em consequência...
Mas cumprirei o que meu pacto firmou...
“Portanto, casarei. Creio que a Providência
Decidiu-se a castigar a minha vaidade
E à palavra dada não negarei valência!...
Foram as bodas marcadas, na realidade,
Para daí a três meses, que haveria
Tempo bastante para a grande quantidade
De roupas que o enxoval demandaria
E além disso, curaria alguns estragos
No rosto e ossos, com uma boa cirurgia...
Mas o rei não conseguia dar afagos
A essa noiva de aparência tão estranha
De rosto feio e de equilíbrios vagos...
Também o tempo suficiente assim se ganha
Para trazer-lhe os pais e seus irmãos:
Dinheiro envia para lhes aliviar tamanha
Pobreza, mais roupas e boas embarcações:
“Quero que todos da boda participem,
Confirmando minha nobreza de intenções...”
A RAINHA DO MAR VIII
A falsa Inês, antes que o enxoval equipem,
Insistia para a boda antecipar,
Afirmando não precisar de cada item;
A cirurgia também a recusar
E as três aias já estavam desconfiadas,
O seu temor indo ao Conselho denunciar...
Mas as promessas do rei estavam dadas
E ele afirmou não poder voltar atrás;
Possibilidades de herdeiro já esperadas...
“Tantos irmãos a condição me satisfaz;
Que seja feia é uma pena, realmente,
Mas tendo um filho, finalmente terei paz!”
Mas apressar o casamento não consente.
“São necessários, ao menos, os proclamas,
Ou a dispensa papal, naturalmente...
“Com esta mais tempo, no final, ainda conclamas;
Então espere, Inês, os cirurgiões:
Seu rosto ao menos consertar como reclamas!
“Virão em breve seus pais e seus irmãos
E deste modo, poderás matar saudades!”
Sem ter a intrujona as menores ilusões,
Exceto de sua mãe nas habilidades:
Qualquer feitiço ou malvada bruxaria
Atenderia às suas necessidades!
Prometeu a velha que logo chegaria
Na capital, ainda na mesma noite,
Só assim ninguém sua vinda assistiria
E a seus dois grifos daria algum acoite
Nas redondezas, em qualquer gruta secreta,
Depois chegando a pé, sem mais afoite!...
E como aos ventos a bruxa má afeta,
Nova borrasca veloz conclamaria,
Para o barco afundar em negra treta!
Toda a família de Inês se afogaria,
Sem que sua filha acabasse desmentida
E o casamento, afinal, se realizaria!
Estava a situação assim mantida,
Quando o ataúde encontraram os pescadores,
Vendo a moça achar-se viva, de saída
Persignaram-se, cheios de terrores,
Mas viram um crucifixo no seu peito,
Tranquilizados assim os seus temores...
Era a jovem cega e careca, mas defeito
Nenhum acharam em seu corpo e face:
“Foi resultado de maligno malfeito!...”