NASREDDIN E A NOIVA 7/8

NASREDDIN E A NOIVA VII – 23 JUL 2022

“Sou um lobo encantado, semi-humano...”

“Um lobisomem? Agora mesmo o mato!”

“Não faças tal. Um mago desumano

lançou em mim um terrivel desacato!

Porém só caço para me alimentar:

perdoe-me a vida e serei seu fiel amigo!”

“Não preciso de quaisquer lobos ter comigo,

sequer um cão me decidi a criar!...”

“Eu não costumo comer carne de ovelha,

alimento-me com nozes e raízes,

vou colher frutas quando me dá na telha

ou as bagas de arbustos em que pises;

e além disso, cuido de horta e de pomar,

para mim bastam esses vegetais,

mas ficam insatisfeitos com eles animais,

tivesse um cão, o teria de alimentar!”

“Mas não pretendo te servir dessa maneira,

contudo posso garantir o teu futuro,

um bom caminho colocar a tua dianteira

e até mesmo um casamento bem seguro!”

“Não sei como é que consegue falar,

porém bem sei que pode me mentir;

caso eu o poupe, irá logo fugir!

De forma alguma me poderá ajudar!”

“Mas eu posso. Vou voltar à forma humana,

essa pedrada com que de longe me atingiu,

com precisão quase sobrehumana,

como lobo profundamente me feriu,

mas dê-me tempo para me transformar,

faz também parte do meu encantamento

que por pior que me afete um ferimento,

eu consiga velozmente me curar!...”

Nasreddin pôs sua faca na bainha:

“Pois se transforme então, só quero ver!

Mas não me venha com traição mesquinha,

não vai me atacar, ferir ou até comer?”

“De modo algum. Nunca ataquei pessoas,

os próprios lobos só o fazem raramente,

quando interferem em caçar quase iminente,

mas nunca atacam as gentes que são boas!”

NASREDDIN E A NOIVA VII – 23 JUL 2022

Sem esperar mais, o lobo transformou-se,

não somente trocou pelo por pele,

mas em roupagens ricas apresentou-se.

Nasreddin temeu que o seu destino sele,

pois era homem de uns quarenta anos,

alto e robusto, até de espada portador;

como poderia resistir-lhe algum pastor?

De perto a funda só lhe traria desenganos!

“Não se assuste, poder-me-ia ter matado

e não o fez. Portanto, tem minha gratidão

e não se arrependerá de me ter perdoado,

terá uma noiva da mais alta condição!”

“Não me interessa ter qualquer mulher...”

“Mas há dias que o venho observando,

com bela jovem vi que estava conversando,

por certo a esta recusar não quer!...”

“Mas como obter me poderá Zalina?

Da última vez, ela me disse claramente

que não me amava, teria uma outra sina...”

“Que ela o ama, para mim é evidente,

mas está certa de que não o aceitarão,

nem o seu pai, nem a família dela;

por que lhe daria esperanças a donzela,

quando acredita não se realizarão?”

“Queria mesmo acreditar no que me diz,

mas acho bem difícil ser verdade,

somente minha amizade é que ela quis

e eu tolamente expus a minha ansiedade

e foi assim que claramente a afastei...”

“Não, meu amigo, raramente uma mulher

confessa logo seu amor a quem mais quer,

mas lhe asseguro que a questão resolverei!”

“Mas nem sequer eu sei onde ela mora!”

Não se preocupe, que eu descobrirei,

prossiga aqui com seu trabalho de hora em hora

vou abrir caminho e depois o chamarei!...”

E transformou-se em lobo novamente,

saiu correndo, sem sinal de ferimento;

bem funcionara o seu encantamento;

logo à distância já sumira inteiramente.

NASREDDIN E A NOIVA VIII – 24 JUL 2022

Nasreddin continuou com suas ovelhas,

cuidando de suas feridas e de espinhos;

pastoreava à noite para um redil com telhas,

meio descrente de ter novos caminhos...

Se aquele lobo se transformara em homem

e já na linha do horizonte se afastara,

quem sabe a mulher que o seu peito dominara

seria fruto de ilusões que seu amor consomem?

Contudo, o cavaleiro era sincero

e tão logo se aproximou de uma fazenda,

reconheceu-a como seu destino vero,

mudou de forma e penetrou na senda,

que na verdade, tal lugar bem conhecia:

corria o boato que a mulher mais bela

de toda essa região era a mesma donzela

que com Nasreddin conversava no outro dia!

E assim foi avançando ousadamente

para a fazenda do pai de Zalina,

que se chama Zalinski, certamente,

de quem ouvira muita história fina;

dizia o pai que só daria em casamento

sua bela filha a um homem inteligente,

que o demonstrasse com razão potente,

conseguindo enganá-lo em um momento!

Tal fazendeiro era bastante orgulhoso

de suas ideias e sua cultura, com razão;

já muito jovem chegara esperançoso,

que de sua filha lhe concedesse a mão,

mas após travarem breve conversação,

Zalinski com firmeza os despedia:

“Minha filha facilmente o enganaria,

até a mim vence com sua erudição!...”

“Se não consegue enganar sequer a mim,

será um fantoche nas mãos de minha Zalina,

que em discussões sempre me ganha assim...

Não, meu amigo, vá buscar outra menina!”

E como tinha muitos empregados,

alguns deles a servir de guarda-costas,

as visitas não se sentiam predispostas

a enfrentar tantos homens bem armados!