A MENINA QUE MATOU O PAPÃO 15/17

A MENINA E O PAPÃO XV

"Tchieng, deixa eu dormir hoje contigo!..."

"Mas, queridinha, eu saí para caçar

e minha casa fica dentro do curtume,

tem um cheiro que não há quem se acostume,

às vezes, até eu mesmo não consigo!..."

"Eu não me importo com o cheiro que tiver!..."

"Tudo bem... Ah, que coisa, me esqueci,

estou indo caçar, o curtume está trancado..."

"Me empresta a chave, então, Tchieng amado!..."

"Tudo bem, se é o que você quer..."

Mas Tchieng por toda a parte procurou

e não achou, nem dentro do chapéu!...

Nem nos cestos balançando de sua vara

e nem nos bolsos da camisa clara,

sem se lembrar de onde a chave ele deixou!...

"Ai, Tchieng, e agora, o que é que eu faço?"

"Olha, eu vou é te emprestar minha faca

de esfolar coelhos, que está bem afiada...

Cortas a corda de uma só talhada

e faz o mesmo que eu, sempre que caço..."

"Chego no bicho e corto-lhe a garganta!...

Se ele estiver tonto, aí ele morre...

Mas eu tenho de seguir para a caçada,

preciso chegar antes da alvorada:

quando o Sol nasce, toda a caça espanta..."

E Tchieng saiu trotando pela estrada...

A pobrezinha ficou a faca segurando,

sozinha uma outra vez, pois cada amigo

tivera medo de lhe dar abrigo

e Meiling ficou ali, desesperada!...

A MENINA E O PAPÃO XVI

Meiling não podia ir à casa de seus pais,

ainda mais com o monstro no caminho...

Assim, como não tinha alternativa,

foi para casa e se manteve ativa,

prendendo a corda e o ferro e as demais

armadilhas destinadas ao Papão.

Deixou a faca junto à cabeceira,

pôs os ovos sob as cinzas do fogão,

os peixes na panela e, no portão,

prendeu as lascas para lhe cortar a mão!

No caminho, todas as agulhas enterrou

e esfregou a porta inteira com titica...

Nem conseguiu fazer a refeição,

de tanto que lhe batia o coração:

trancou a porta e, depois, se colocou

atrás da cama, como Tchiang lhe dissera,

o ferro firme contra o teto pela corda

e a faca bem segura na sua mão,

procurando controlar toda a emoção,

porque tudo o que podia, já fizera...

O tempo foi passando, devagar...

De um cochilo se acordou, em sobressalto,

ouvindo passos pesados no caminho...

E se encolheu ainda mais no seu cantinho,

sem saber se poderia se escapar...

Chegara a meia-noite e as passadas

pararam diante do portão de sua casinha!

"É melhor abrir a porta, garotinha...

Não vai escapar de mim, atrevidinha!..."

disse a voz rouca, por entre duas risadas...

A MENINA E O PAPÃO XVII

"Já que não vai abrir, eu vou entrar...

Mas o que é isso? Me cortei, que dor!

Há lascas de bambu nesse portão!

Lastimei os meus dedos, maldição!...

Pois simplesmente o portão vou arrancar!"

A seguir, ela escutou o som das patas,

pisando firme na areia de sua entrada

e logo um outro grito: "Ai, um espinho!...

Ai, tem mais outros por todo esse caminho!

Mas não vai ser com isso que me matas!..."

Tereng Ganu na porta se encostou

e logo o ouviu recuar, com mais um berro:

"Ai, as minhas mãos ardendo agora estão!

O que você esfregou aqui, então?

Que cheiro ruim!... Foi titica que passou!..."

Porém o monstro a porta já arrombou,

entre berros de rancor e de ameaça!...

Pois foi correndo à panela no fogão,

para lavar os dedos. Foi então

que cada peixe uma dentada lhe arrancou!

"Ah, sem-vergonha, o que foi que me fizeste?

Fica sabendo que agora eu vou judiar

o mais que posso e só depois vou te comer!...

Não adianta nada, que na cinza vou meter

os dedos e estancar o sangue, peste!..."

E logo mais um grito se escutou:

"Sua bandida, aqui tem ovos podres!...

Cascas de ovos me entram pelas unhas,

ai, que dor! São afiadas como cunhas!...

Sua bandida!... Mas você se desgraçou!..."