YSENGRIN E AS ENGUIAS
YSENGRIN E AS ENGUIAS I – 25 NOV 16
Cerca de um mês depois que isso aconteceu
Ysengrin e Renard se depararam
no meio de um caminho e se fitaram...
Cheio de ódio, forte rosnado Ysengrin deu...
Porém Renard sua esperteza não perdeu:
“Meu caro tio, que grande honra então lhe deram
os cavaleiros, quando na Ordem o receberam:
grande bênção a Santa Unção lhe concedeu!”
Mas Ysengrin não aceitou a brincadeira:
“Perdi o pelo todo da cabeça!
Queimei as orelhas, fiquei de boca inchada!”
“Porém recorde a advertência bem certeira
de que fechasse bem os olhos: não se esqueça!
Por meu conselho sua visão foi preservada!...”
Já se notou que este Ysengrin, coitado,
não pecava por ser muito inteligente;
era, sem dúvida, animal forte e valente,
mas por Renard muito fácil enganado...
E essa artimanha o deixou atrapalhado...
“Meu caro tio, está a ver perfeitamente,
da aristocracia tornou-se membro permanente,
com grande honra foi dignificado!...”
“E certamente, gostou daquela enguia!”
“Gostei, mas só comi um pedacinho!...”
“Pois foi embora! Teria ganho muito mais!”
Pobre Ysengrin, responder não conseguia
e Renard não perdeu tempo no caminho:
“Vou-lhe mostrar onde pesquei tais animais!”
“Venha comigo. As enguias saborosas
vivem no lago, junto àquela herdade; (*)
os homens pescam peixes à vontade,
aquelas águas da lagoa são piscosas!”
(*) Espécie de granja ou fazenda.
Ysengrin, com suas mandíbulas gulosas,
pôs-se a babar, na maior felicidade!...
“Então me mostre, sobrinho, por bondade,
como se pescam enguias tão formosas!...”
Estava o lago totalmente congelado,
duro o bastante para nele patinar
e bem no meio, a fim de se pescar,
haviam aberto um buraco arredondado,
em que levavam os cavalos a beber
e com um balde, água iam recolher...
“Veja, meu tio, eles enviam no buraco
esse balde, durante uma ou duas horas,
em que as enguias se recolhem, sem demoras;
quando o levantam, pesa como um saco!”
“Mas é preciso ter corda presa a um taco,
usando a força do gelo como escoras...”
“Enfio a cauda e uso as patas como esporas!”
“Se quer assim, vou trazer liana de guaco!”
Então o lobo se acocorou no gelo
e Renard lhe amarrou o cipó no rabo;
prendeu na alça do balde e o mergulhou!
“O tempo hoje, meu tio, se encontra belo!
Basta que fique duas horas e a seu cabo
verá o cardume que no balde se enfiou!”
YSENGRIN E AS ENGUIAS II
Postou-se o lobo no gelo da lagoa
e Renard foi para a margem, calmamente,
rindo entre as patas, disfarçadamente,
por pregar no falso tio peça tão boa!
Daí a pouco começou uma garoa
e Ysengrin se achava muito descontente:
“Caro sobrinho, o tempo está inclemente!”
“Fique só mais um pouquinho: é coisa a toa!”
Nessa esperança de comer enguias,
Ysengrin suportava a frialdade,
embora estando já quase entanguido.
Mas a garoa, durante as horas frias,
virara em gelo, na maior facilidade,
deixando o rabo do lobo endurecido!...
Logo a seguir, notou que claro já ficava
e no cansaço e intenso frio da posição,
quis Ysengrin dar no balde um safanão,
os peixes para ver que então pescava...
Mas quem diz que sua cauda levantava?
Ele pensou fosse do balde a condição,
cheio de enguias já reunidas na ocasião
e por Renard logo após ele chamava...
“Renard, venha depressa me ajudar!
O balde cheio já me pesa por demais
E não o consigo mais erguer sozinho!...”
O Raposão, sua cauda branca já a notar,
falou, malvado: “Espere só um pouco mais:
é justo agora que vai ficar cheinho!...”
Mas a seguir, a aurora despontava...
Ysengrin sair dali não conseguia!...
Chamar mais alto o lobo não queria,
já com medo da situação em que se achava!
E se a gente da herdade o escutava?
Logo a seguir, latidos já se ouvia
e Renard, sem mais aquela, já fugia,
deixando o lobo ali preso como estava!...
Sem mais demora, luzes se acenderam!
No lago o lobo avistaram os camponeses,
seus cães ganindo, já meio assanhados!
Para a lagoa logo todos acorreram,
pensando que ele, como de outras vezes,
logo fugia, vendo os cães ali atiçados!...
Mas Ysengrin não conseguia sair
e com os cães começou a combater,
ferozmente suas gargantas a morder,
mas quinze cães o estavam a ferir!...
Messire Constant Desgranges ouvir latir
os seus cães, alguns feridos e a morrer;
sacou a espada para o embate desfazer,
contra a cabeça um forte golpe a desferir!
Mas Ysengrin deu um salto e desviou
e a espada lhe cortou somente o rabo!
Vendo-se livre, saiu em disparada!...
Nem homem, nem cachorro o alcançou
e na sua toca, a lamber seu triste cabo,
jurou vingança pela horrível tratantada!...