RENARD E O CORVO TIERCELIN
RENARD E O CORVO TIERCELIN I – 13 AGO 2016
(Esta história foi também aproveitada por La Fontaine em uma de suas Fábulas.)
Certo dia, em que a fome lhe apertava,
depois de correr muito e já cansado,
deitou-se o Raposão, bem estirado,
sob uma Faia, cuja sombra lhe agradava.
Realmente, um bom lugar achava
para uma sesta... e ali teria demorado
se não estivesse seu estômago apertado,
sem encontrar a comida que buscava!
Porém, naquele calor da meia tarde,
foi-se deixando por ali ficar,
sem ter vontade de se levantar,
mas sem dormir, já que a fome muito arde
e apenas água bebera o dia inteiro,
sem achar sequer frutinhas no terreiro!
Ao mesmo tempo, em granja próxima dali,
Dona Brigitte seus cem queijos cuidava,
sem notar que bem perto já rondava
o Corvo Tiercelin, que farejava por ali!... (*)
(*) Pronuncie “Tircelan”.
Tivesse visto que a ave estava aqui,
seguramente ao ladrão ela espantava,
mas no silêncio da tarde, sossegava:
deixando os queijos, foi cuidar de si...
E Tiercelin a sua chance aproveitou,
para a corda mergulhou, num belo salto,
pegando um queijo gordo e saboroso!...
E na mais pura zombaria, crocitou,
a subir muito depressa para o alto,
a pobre velha no rancor mais pavoroso...
“Traga meu queijo de volta, seu ladrão!”
“Por que virou-me as costas, desatenta?
A minha fome este queijo hoje contenta!
Doravante, vá mostrar mais atenção!...”
Muito alegre, ele voou sobre a região,
com o alimento que em seu bico se apresenta,
até uma Faia encontrar e em galho senta,
ali pousando na maior satisfação!...
Ora, por uma estranha coincidência,
era essa a árvore sob a qual nosso Renard
dormitava, ainda cheio de preguiça...
Decerto algo aguardando com paciência
que sobre ele fosse a sorte derramar,
sem precisar empenhar-se em grande liça!
Tiercelin se pôs feliz a debicar
o seu queijo amarelo e gorduroso...
Uma migalha foi descendo, em voo airoso,
junto ao focinho de Renard indo tombar...
De imediato, já começou a planejar
dele tirar não só o queijo tão formoso,
porém caçar o próprio corvo saboroso,
que a Malpertuis, seu lar, iria levar!...
E foi dizendo: “Meu Compadre Tiercelin,
trazes no bico um novelo de boa lã...
Irás usá-lo para forrar teu ninho?...”
“Olá, Renard!” – disse o Corvo, desconfiado,
sem mencionar ter um queijo bem salgado,
que por seu gosto comeria, bem sozinho!...
RENARD E O CORVO TIERCELIN II
“Você ainda canta, meu sobrinho?
Sei que foi músico em sua mocidade...
O seu pai, Rourd, ainda melhor, na realidade, (*)
mas gostaria de escutá-lo só um pouquinho...”
(*) Pronuncie “Rur”.
Tiercelin, que era um tanto vaidosinho,
soltou um grasnido, com ferocidade,
de machucar-lhe os ouvidos, sem piedade...
Mas ocultando seu desgosto tão mesquinho:
“Ora, bravo, Tiercelin!... Mas seu novelo
de lã amarela não lhe atrapalha o canto?”
Sentiu-se o Corvo ainda mais embaraçado...
“Quero ouvir outra vez seu canto belo!...”
Tiercelin abriu o bico, em seu espanto,
caindo o queijo do Raposo bem ao lado!...
Porém Renard fingiu então surpresa:
“Ora, é um queijo! Pensei ser um novelo...
Realmente, um laticínio muito belo,
mas o doutor me proibiu esta beleza...”
“Recomendou-me boa dieta, com certeza...
Comi uma lebre, sem tirar-lhe o pelo,
no meu estômago ficou dura como gelo...
Pegue seu queijo! Em armadilha ficou presa
“minha pobre pata... Mal consigo me mexer...
A minha sorte é que não se quebrou,
mas tenho de deitar-me bem quietinho,
“pelo menos até que pare de doer!...
Pegue seu queijo!...” – de novo lhe falou,
“Não se arreceie deste pobre doentinho!...”
Tiercelin desceu do galho, lentamente,
foi adejando com insegurança,
naquele espertalhão sem ter confiança,
porém do queijo sua gula é mais valente!
Pousou um pouco longe, bem prudente.
“Ora, daí o seu queijo não alcança!
Chegue mais perto, tenho cheia a pança,
deixou-me a lebre grande azia ardente!...”
E Tiercelin foi chegando, “de a passinho”,
até seu queijo poder alcançar,
Renard ficando imóvel no lugar...
Então o Corvo avançou, devagarinho:
“Você promete que não vai me atacar?”
“Pois não vê que estou ferido, meu sobrinho?”
Mas no momento em que chegou bem perto,
deu-lhe Renard um bote repentino,
sem dor na pata... feroz e assassino!...
Porém o Corvo mostrou ser mais esperto,
pulando para trás, em salto aberto!...
Só quatro penas, no salto de inopino,
pôde Renard lhe arrancar, em falso tino,
sem o Corvo sofrer destino certo!...
“Queria me comer também, traidor?”
“Só pretendia lhe dar abraço amigo...”
“Não pensa que me engana, espertalhão!”
“Fico com o queijo ao menos, meu amor!
Nunca se esqueça do que diz ditado antigo:
Perdão merece quem rouba outro ladrão!”