RENARD E CHANTECLAIR I/II
RENARD E CHANTECLAIR I – 12 AGO 16
Mas de outra feita, foi vencedor um galo,
chamado Cantaclaro ou “Chantecler”,
que de Constant Desnos e sua mulher (*)
vinte galinhas cuidava com regalo!...
(*) Leia “Constan Denô”.
Ora, Renard se introduziu por valo,
por ser de caçador o seu mister;
cruzou a sebe de proteção e dentro quer
capturar uma das aves, sem abalo...
Porém o valo havia sido obstruído
por pilha grossa de cem cacos de telha
e ao cruzá-lo, provocou estardalhaço!
Entre altas couves se escondeu, mas percebido
foi bem depressa, por uma galinha velha,
de Chantecler a mais constante no regaço...
Seu nome era Pintada – e foi depressa
prevenir a Chantecler, que se encontrava
do outro lado do terreiro, em que ciscava...
“Chantecler, chegue aqui com toda a pressa!”
“Ora, Pintada, deixa-me em paz, homessa!” –
Cacarejou, com expressão muito antiquada.
“Chantecler, uma fera está emboscada
por entre as couves e de espreitar não cessa!”
“Cara Pintada, estás confusa ou é histeria!
Foi nossa sebe recentemente consertada,
sendo impossível que seja atravessada!...”
Mas Pintada insistiu no que dizia
e então o galo deu duas voltas no terreiro,
ao seu ciscar retornando, bem ligeiro...
Mas por certa inquietação foi invadido
e bem depressa voou para a cumeeira,
a sua visão distribuindo, bem certeira:
cada ponto do quintal sendo atingido!
Parado num pé só, o olhar comprido
de um olho, o outro fechado, toda a eira
vigiando firme, mas a fera sorrateira
também vigiava aquele galo bem nutrido!
Em pouco tempo, Chantecler adormeceu
e se engasgou com terrível pesadelo:
em um saco vermelho era enfiado
e num laço pontiagudo se prendeu!...
Da cumeeira ele saltou, no maior zelo,
para Pintada a correr, bem assustado!...
Rapidamente, lhe contou seu sonho,
à sua galinha pedindo um bom conselho...
“Mas isso é claro, Chantecler, meu galo velho,
somente espero que seja algo bisonho!”
“O que interpreto é fato bem medonho:
da pele e dentes de Renard é claro espelho,
a sua cabeça ele engole em veloz relho,
seus dentes brancos o tal laço assim tristonho!”
“Eu já lhe disse que ele anda por aqui.
Acho melhor você tomar muito cuidado!”
Chantecler pôs-se a pular por todo lado,
mas acabou adormecendo por ali,
com um olho só, o outro ainda aberto,
pois dentre os galos ele era o mais esperto!
RENARD E CHANTECLAIR II
Pensando então que estivesse adormecido,
Renard mais que depressa deu um bote,
mas Chantecler desviou o seu congote:
“Pensou em vão me pegar desprevenido!”
“Meu primo-irmão, estou mesmo surpreendido!
Nenhum mal vindo de mim será seu lote!
Vim visitá-lo, quero escutar seu dote,
jamais cantor melhor eu tenho ouvido!...”
“Salvo o de Chanteclã, seu belo pai...
Mas acredito que seu canto seja igual!...”
E Chantecler soltou um forte cacarejo!...
“Mas com um olho aberto, não se vai
apreciar bem a sua potência triunfal!...
Chanteclã fechava os dois, não é gracejo!”
Chantecler fechou os olhos, lisonjeado
e então Renard o seu pescoço abocanhou!
E pelo valo da entrada se enfiou,
o pobre galo meio a meio sufocado!...
Mas as galinhas ergueram um alto brado
e toda a gente da granja despertou
e até Constant Desnos se aproximou
para saber a razão do desagrado!...
E lhe disse Pintada: “É o Chantecler,
que foi caçado por Renard, o Raposão!”
E logo foram organizar perseguição,
mas daí que abrissem um portão qualquer
Renard já era o senhor da situação,
longe demais para agarrá-lo então!...
Bem recordava de ter sido enganado
pelo outro galo, que comera só por sorte!
Chantecler era animal de grande porte
e na corrida já ia ficando bem cansado!
Os camponeses, com cachorros do seu lado,
caso o agarrassem, lhe dariam pronta morte,
mas conhecido de cada atalho o corte,
no seu trote ainda seguiu, desesperado!
E à distância as vozes vão ficando,
Renard ficando já tranquilizado,
o pobre galo a perder as esperanças,
o seu pescoço apertado, sufocando,
sem esperar ser agora resgatado,
os dentes de Renard iguais que lanças!
Os camponeses bem atrás, sempre a gritar,
e os cães perderam do Raposão a vista,
pois escolhera de um riacho a pista...
De longe ouvia: “Ele fugiu!... Que azar!...”
E Chantecler também tentou cacarejar;
as suas penas, uma a uma, logo enrista,
Renard, já bem seguro da conquista,
bem tolamente ladrou: “Fugi!... Que azar!...
Pois de imediato soltou-se Chantecler,
Batendo as asas para um galho alto!
Pensou Renard: A gente morre pela boca!
Pegar o galo outra vez ainda quer,
sem alcançar o desmedido salto...
E arrependido, retornou para sua toca!...