RENARD E O GALO 1/2
RENARD E O GALO I – 11 AGO 2016
Chegara o inverno e Renard passava fome;
Hermeline gemia e os filhotes lamentavam,
o que comer todos em vão buscavam,
mas era inverno, quando toda a caça some...
“Vá nos caçar qualquer coisa que se come.”
mulher e filhos ao Raposão choravam,
porém nos prados as aves não se achavam...
“Algo hei de achar que nossa fome dome!...”
E foi troteando até o final do mato,
onde sabia existir granja bem dotada,
com capões, muitos porcos e galinhas...
Cruzou a cerca no mais fácil desacato,
mas bem difícil era apanhar a galinhada,
protegida por aramado e grossas vinhas...
Por sorte, só ali estava o camponês,
bastante rico, por ser um avarento,
mulher e filhos sofrendo algum tormento:
tudo vendia para o melhor freguês!...
A esposa fôra à feira desta vez,
para vender o que seria seu sustento!
O que criavam era vendido num momento:
mingau comeram e a salada que ela fez!
Bertoult, que era o nome do labrego, (*)
só queria mais dinheiro acumular,
porque mais terras pretendia comprar.
(*) Leia “Bertul”. Labrego = camponês.
Porém, de fato, pelo ouro tinha apego
e a cada mês aumentava o seu tesouro,
sua família a tomar sopa de couro!
Um galo velho atravessara o aramado,
a que Renard tentou em vão caçar,
gritando o galo o seu cacarejar,
pelas galinhas sendo logo acompanhado!
Bertoult chegou depressa, desconfiado
e duas redes em seguida foi buscar,
logo prendendo o coitado do Renard
e então trazendo um facão bem afiado!
“Ah, Raposão, vais ser o meu pelego!
Sobre tua pele meus pés vou descansar:
tua carne dura vou picar para as galinhas!...”
Mas quando o foi matar, num golpe cego,
pôde Renard sua mão direita abocanhar,
seus dentes firmes como duas gavinhas!...
Quando Bertoult se tentou desvencilhar,
para o pescoço a sua mordida transferiu
e num perigo de morte ele se viu!...
“Não me mate, por favor, Senhor Renard!”
“Com teu facão pretendias me matar!
Pois vou feri-lo igual que me feriu!...”
“Juro por Deus!” – o labrego lhe pediu.
“Pago-lhe o preço que decida me cobrar!...”
“É verdadeiro esse seu juramento?”
“Pelo Nome de Deus eu lhe jurei!” –
disse Bertoult, já meio sufocado...
“Por uma prova do que diz, neste momento,
abra esta rede na qual eu tropecei!...”
E de imediato da armadilha foi livrado!...
RENARD E O GALO II
“Agora solte o meu pescoço! Estou sangrando!”
“Quero que pague sua vida com a do galo!...”
“É um galo velho, só vai dar-lhe um caldo ralo;
três galinhas lhe darei, estou jurando!...”
“Eu quero é o galo que me foi denunciando!”
“Eu dou, senhor!... Mas já estou em grave abalo!”
“Se me atacar, eu primeiro irei matá-lo!...”
“Sim, meu senhor, mas minha goela vá soltando!”
Renard soltou-lhe o pescoço e, bem depressa,
saltou bem longe do alcance do inimigo!
Bertoult, porém, lhe havia jurado bem sincero.
Mesmo sangrando, de perseguir não cessa
o tal de galo. Renard saiu de seu abrigo
e o abocanhou, sem fazer mais lero-lero!...
Assim, enquanto o labrego se lavava,
escapuliu-se da granja, velozmente,
o galo preso nos seus dentes, firmemente,
a debater-se, porém não se livrava!...
Vendo-se presa, a ave então chorava!
“Amo Bertoult eu servi tão fielmente
e ele me entrega, sem pena, totalmente,
para o Raposo que antes me caçava!...”
“Mas não percebe que lhe saltou a vida?
Eu teria sufocado o seu patrão!...
A sua função, destarte, foi cumprida!”
“Deve o vassalo morrer por seu Senhor,
a comprovar sua verdadeira devoção,
pois só assim demonstrará sua gratidão!”
“Sinto saudade de minhas pobres galinhas!...
E quem irá toda a granja, em clarinada,
despertar ao raiar da madrugada...?
Não sentes pena dessas coitadinhas?”
“Tenho pena é de minhas crias, pobrezinhas!
Sua longa fome por você será saciada...”
“Termino a vida nesta miséria desgraçada!
Se o senhor ao menos recitasse algumas linhas!”
“Qualquer verso que me enchesse de coragem!”
Renard do triste galo se apiedou,
mas no instante em que a mandíbula afrouxou,
o galo se escapou, tal qual vento em aragem!
E sacudindo das asas a plumagem,
num alto galho já se empoleirou!...
Nesse momento, escutaram uns latidos
e Renard em cova funda se escondeu.
Feroz matilha logo ali apareceu,
por alguns caçadores mal contidos!...
Ficaram estes um instante confundidos
e com um tiro, ao galo um abateu,
mas não sendo uma perdiz, se arrependeu,
sendo seus cães, aos berros, repreendidos!
De fato, andavam era atrás de um javali...
Renard saiu depois de seu abrigo:
“Tu me enganaste, galo espertalhão!”
“Mas teu castigo recebeste aqui...”
E abocanhando, o carregou consigo
para levar à sua família a refeição!...