O RAPOSÃO RENARD E O LOBO YSENGRIN
RENARD E O LOBO YSENGRIN I – 10 AGO 16
Havia em França um esperto Raposão,
a quem chamavam, é claro, de Renard. (*)
Tinha sua esposa, Hermeline, no seu lar
e dois filhotes de grande agitação!...
(*) Raposa, em francês. Pronuncie “Renar”.
Era ardiloso, mas sem grande ambição,
contentava-se a nos prados ir caçar
faisões, tetrazes de excelente paladar,
que para casa levava na ocasião.
Estava sempre disposto a negociar
e, se possível, aos outros enganar;
dizer podemos que era um comerciante.
Mas praticava tantas artimanhas,
nos demais a causar frequentes lanhas,
que o julgavam bem mais como um tratante!
Tinha amizade, desde a infância, com um Lobo
de alta estirpe, entre os bichos um Barão!
Ysengrin era seu nome e o capitão (*)
do exército do rei, com grande arroubo!... (+)
(*) Pronuncie “isangran”. (+) Valentia, coragem.
Valente e corajoso, porém um tanto bobo;
tratava-o Renard de “tio” e lhe pedia bênção.
“Deus te abençoe, sobrinho!” – e dava a mão
para beijar, em sua vaidade tendo afobo...
Vivia o Lobo em uma ótima choupana,
com sua esposa, a bela Dona Hersent (*)
e três lobinhos alegres e saudáveis.
(*) Pronuncie “Ersan”.
A visitá-lo ia Renard cada semana,
qualquer comida filando de Ysengrin,
os cinco lobos a mostrar-se muito amáveis...
Ora, um dia, terminavam o seu jantar:
Ysengrin havia caçado um bom carneiro
que comeram até o osso derradeiro
e já pensavam em ir ao leito se deitar,
quando à sua porta veio bater Renard,
rustido o pelo, magro e sem dinheiro
e Ysengrin o recebeu, hospitaleiro:
“Caro sobrinho, por que anda a tropeçar?”
“Meu belo tio, de fato estou doente...
Se me permite, quero um pouco descansar,
a minha casa ainda fica a um bom caminho...”
“Claro que sim. Por favor, aqui se assente.
Quer tomar algo ou apenas conversar?”
“Quem sabe, apenas, dois dedos de vinho...”
Dona Hersent serviu-o, bem depressa.
“Já estou melhor... Desde ontem não consigo
comer nada, meu querido tio e amigo...”
“Hersent, os rins e o fígado me aqueça,
que eu ia comer antes de ir à caça
amanhã pela manhã!” “Basta-me o abrigo,
o meu estômago está de mal comigo...”
“Nada que um bom alimento não desfaça!”
E assim, Renard comeu o desjejum
que Dona Hersent reservara a seu marido
e percebeu numa trave três presuntos,
mas Ysengrin não mencionara qualquer um
como presente ao sobrinho tão querido,
ficando os dois a falar de outros assuntos...
RENARD E O LOBO YSENGRIN II
Fingiu o Raposo notá-los de repente:
“Mas que lindos presuntos tem no teto!”
Ysengrin ergueu os olhos, com afeto:
“Minha reserva, quando o inverno se apresente...”
“Mas deixa às vistas assim de toda a gente?
Devia guardá-los em algum lugar secreto!
E se algum amigo vem, mais indiscreto,
e lhe pede alguma lasca, meu parente...?”
“Ah, não darei! Nem sequer a meus filhotes!”
“Ora, meu tio, tens coração tão terno...
E se aparece por aqui algum ladrão?...”
“E a todos rouba, com dois valentes botes!
Esconda em algum lugar até o inverno,
em que possa conservar sua provisão!...”
Logo a seguir, o Raposo despediu-se
e esperou que a família adormecesse;
saltou ao telhado, no lugar que reconhece
estar a trave em que presuntos viu-se...
Afastou do teto o colmo e surripiou-se
os três presuntos... E para casa desce.
A comida a seus filhotes logo aquece;
de sua esperteza consigo mesmo riu-se...
Para evitar qualquer possível desconfiança,
foi visitar, na maior “cara de pau”
a família cuja comida havia roubado!
Bem satisfeito, ainda cheia pança,
em resultado de seu feito mau,
fingindo apenas estar passando desse lado...
Achou os lobos na maior agitação;
foi logo entrando e indagou qual o motivo.
“Caro Renard, algum ladrão furtivo
furou-me o teto e me fez espoliação!...”
“Como assim?” – perguntou o espertalhão.
“Não está vendo? Meu teto está em crivo!
Roubaram meus presuntos! Algum esquivo
furou-me o teto e me levou a provisão!...”
“Durante a noite? E vocês não acordaram?”
“Todos caímos num sono bem pesado,
e já nem sei o que fazer agora!...”
Os olhos de Renard se entrecerraram:
“Meu caro tio, muito bem representado!
Enganaria a qualquer outro, sem demora!...”
“Como, enganar? Fui roubado, estou dizendo!”
“É assim mesmo que deve responder!
Mas não me conte em que lugar foi esconder:
que foi bastante esperto eu já compreendo...”
“Mas, Renard! O meu telhado, não está vendo?”
“Claro, claro! Justo assim deve dizer,
que enganará a qualquer um seu parecer,
mas a sua inteligência eu bem entendo...”
“Quem furaria assim seu próprio teto?
Escondeu bem, que lhe faça bom proveito!
Só a mim que não engana! Tenho faro!”
“Os meus respeitos, senhor meu tio dileto!
Só que o buraco bem menor devia ter feito!
Desse tamanho, vai o conserto sair caro!...”