A FADA ARANHA VII/VIII

A FADA ARANHA VII — Revisado 17 jan 22

“Segundo afirma o meu bom tesoureiro,

essas aranhas são hermafroditas (*)

e conseguem a si mesmas fecundar,

igual minhocas, para a espécie continuar...

Mas sangue virgem deve obter primeiro...”

“Majestade, não pode meu sangue receber?...”

“Obviamente, sendo mãe, você é mulher...

Já sua menina, tendo apenas cinco anos,

nos satisfaz completamente os planos:

conseguiremos aranhazinhas bem bonitas!...”

(*) Animais inferiores, cada qual com ambos os sexos.

“Ah, Majestade, suplico seu perdão!...”

E dirigindo-se aos demais presentes:

“Nobres senhores, não tendes caridade?

Nem ao menos um triste pingo de bondade?”

Mas ninguém veio mostrar-lhe compaixão;

alguns até a parecer rir à socapa,

bocas cobertas por chapéu ou capa...

Belezzar os encarou, severamente:

“Não há motivo para qualquer riso indecente:

é um sortilégio que nos vem de antigas gentes!...”

E disse o rei: “Entreguem-lhe o punhal!”

“Majestade, como quer que a filha eu mate?”

“Eu poderia ordenar a outra pessoa,

mas o crime foi seu e outrem destoa:

só você pode reparar seu próprio mal!

Prefere o macho?” “Não, por quanto é santo!”

Leora exclamou, já debulhada em pranto.

O rei fingiu seus conselheiros consultar

e então falou: “Terceira chance vou-lhe dar;

não haverá outra, caso essa não acate!...”

“Então me diga qual é, meu soberano!”

“Você pode outra aranha fêmea ir procurar.

Dizem que existem algumas lá no norte,

talvez até de extraordinário porte...

Eu lhe darei um dia e mais um ano!...

Se dentro desse prazo não voltar,

a sua menina alguém irá sacrificar

e seu sangue virgem servirá de refeição

para causar a hermafrodita mutação!...

Aceita esta, ou também vai recusar?...”

A FADA ARANHA VIII – Revisado 18 jan 22

“Na sua ausência, será a menina bem tratada;

não lhe negaremos o quanto precisar;

somente será conservada no castelo,

como refém, a garantir o seu desvelo;

se não voltar, ela será sacrificada

e por sua própria culpa irá pagar,

a aranha macho seu sangue a alimentar!...”

“Eu o farei!” – exclamou Leora, com coragem.

“Pois muito bem. Levem-na à torre de menagem, (*)

onde o retorno de sua mãe irá aguardar!...”

(*) A torre principal e mais fortificada de um castelo.

Leora não pôde despedir-se ou dar um beijo

na filha presa em seu vítreo caixão.

“Pois muito bem,” – disse o ímpio Belezzar.

“Numa caverna costumavam-nas avistar,

porém lhe aviso que há gerações o ensejo

de contemplá-las não alcançou qualquer pastor;

anteriormente, as combatiam com ardor,

pois costumavam comer as suas ovelhas

os machos negros mais do que as vermelhas:

tem pela frente uma longa expedição!...”

“Procurarei, Majestade...” – disse Leora,

“e dentro de seu prazo eu voltarei!”

“Terá de ir sozinha, compreendeu?

Tendo uma escolta, não será mérito seu...

Mas lhe darei certos favores nesta hora:

Você receberá o Manto da Tristeza,

a Água da Angústia e, com plena certeza,

o Pão da Mágoa... E em sinal de minha bondade,

levará os Tamancos da Adversidade...

E mais um saco de moedas lhe darei!...”

“Obrigado, Majestade, sei seres um rei justo.”

“Não é justiça, porém necessidade:

precisa o reino de seu total sucesso

e assim aguardarei o seu regresso;

deu-lhe o Conselho estes dotes de alto custo:

o Manto é tecido de poderosa teia;

com os Tamancos, do que pisar não se arreceia;

um Anel de Pelo do macho irá levar; (*)

como a Água e o Pão, só o deverá utilizar

com grão critério e muita sobriedade!...”

(*) Feito de espículas e não de pelo igual ao dos mamíferos.