Tragédia Infantil
No chão eu colocava
Minha boneca
Ao lado do monte de paus
Cortado a machado
Que mais tarde meu avô
Aplainaria
E numa cadeira
Com assento trançado de taboa
Transformaria
Ela era linda
Dentre tantas a preferida
Cara de anjo e olhos azuis
Que uma vez deitada dormia
Um vestido azul rodado
Para combinar ela possuía
Minha avó era mestra em panos
E com sobras ela costurava
Os vestidos em forma de encantos
Uma vez arapuca montada
Em meio ao amplo terreiro
Trançando de quatro em quatro
Habilidosa, uma casa executava
Almejando a perfeição
Apesar da tenra idade
Exigente e metódica
Exemplos eram o que não faltava
Num acesso de fúria
Diante da pilha entortada
Resolvi começar de novo
E paus voaram pelos ares
Quando um deles foi parar
Exatamente sobre ela
Provocando um irreversível
E monstruoso acidente
Esmagando sua cabeça
Única parte quebrável
De um corpo plástico
De bebê que chorando
Desconsolada eu embalaria
Pedi socorro a altos brados
Sapateei e berrei
Segurando-a nos braços
Querendo que alguém
Me dissesse que possivelmente
A restauraria.
Desolados os adultos acudiram
Assustados, olhando os mil pedaços
Em que se transformara
Aquela bela cabeça de olhos
Móveis e límpidos
De uma beleza sem par
Não havia mais solução
Só me restava aprender
A viver com a frustração
De ter sido eu própria
A causadora da desgraça
E foi então que aprendi
Que milagres não existem
E para sempre ter que conviver
Com as lembranças, hoje tênues
Daquele trágico período da infância