MENINO PASSARINHO



Com vontade de voar ? . . .
Sim!...
E aprender a equilibrar-me naquelas ramas tenras...

Aí, não me canso de perguntar a mim mesmo:
De que jeito voarei, se nunca ultrapassei muralhas, meus limites?...
Pobre de mim, que sequer sei escalar montanhas ! . . .

Acaso será bastante, ou suficiente,
treinar, treinar e...
trinar obstinadamente?!...

Pássaro é exímio equilibrista, mestrado em malabarismo.
Vejo seu dançar nos galhos ou no trapézio das gaiolas
penduradas nas janelas das salas de jantar:
tablado; aeródromo de aterragem e curta decolagem;
pouso; indesejável repouso;
sofá sem almofada; cama sem colchão, sem travesseiro...
Ali mesmo, ao final do pula-pula, cansados de tanto exibicionismo,
dormem sonos profundos, quiçá tranquilos!...

Tranquilos?!...
Duvido!... Às vezes, sonhando com algum apenado trapaceiro!...
Uns até dormem sobre uma perna só, para que os suponham acordados!...
Outros não caem nessa!
Escondem-se sob o lençol de folhagem da árvore escolhida.
Suas semiplumas e plumas: roupas íntimas.
Suas penas: quase um bordado natural num elegante pijama.

Ainda mais:
diferentemente de quem os escraviza, ou de outros irracionais,
já nas madrugadas exibem suas ferramentas: corais, madrigais
e cantos que se repetem ao pôr do Sol, como poesias de despedida.
"Mais um dia" - gorjeiam - agradecendo a vida.

Estariam seguros engaiolados?
Acham que não, porque preferem a liberdade do relento,
mesmo sob fortes ventos, noites escuras, chuvas, penas orvalhadas...
Preferem a luminosidade dos dias quentes, o perigo, as tempestades...

É que o relento não tem portas pra fechar
e o calor, do alvorecer ao céu crepuscular, volatiliza-se em amor,
coisa possível de se ocultar, mas que esvoaça se não se cativar.

Daí o meu temor, salvo se um dia eu for algum pássaro,
presa fácil nas garras de uma esfomeada predadora.

Presa fácil?...  Expressão ou enígma ininteligível.
Entre pássaros, vocábulos desclassificantes, inaudíveis, indizíveis.

É que, de tanto sofrer, seus encéfalos condicionaram-se à segurança.
Aprendi que eles descansam só um lado do cérebro durante o sono,
enquanto o outro lado se encarrega de disparar um sistema de alarme,
na iminência de perigo, para um ágil e grupal esvoaçar de emergência.

Assim, diferentes de mim, eles conseguem dormir acordados ou
- quem sabe! - até tiram uma boa soneca em pleno voo.

Sem nenhuma aventura espacial, como lhes posso propor um desafio?

Imitar, quando muito, só mesmo assobio os seus cantos sóbrios,
como se declamasse um poema milenar para convidar
outros viajores voadores pra uma lauta mesa de frutos e flores.
E é nessa hora que o canto os faz solidários, altruistas, redivivos...

Ufa!...
Nem sei se o meu improvisado chilrear atrairia assim tantos amigos ! . . .

Presos (se engaiolados) ou presas  (se soltos do outro lado),
respeitam-se uns aos outros, nas refeições, nas reuniões,
no trabalho coletivo, na comunicação, nas diversões, nas adversidades...

Mas, que trabalho?
O que fazem, afinal, senão comer e beber para voar e sobreviver?...
 
Ah, sim, visando o futuro, fazem ninhos seguros para os filhotes,
perfeitos, resistentes, fortes, imponentes...
Nisso também não sei imitá-los, nem com tábua, martelo, prego e serrote.
Duvido que alguém  - que se veja mais inteligente - os imite ! . . .

Também plantam as árvores que os protegem e de que se servem,
mesmo cientes de que têm vida breve e insuficiente para vê-las crescer!
Pensam no amanhã dos que ainda virão.
Sabem só o que é início e meio; o resto é a finalidade de sua missão.

"Em que escola o passarinho aprendeu a viver e se defender?"...
- Perguntei à professorinha, certa vez, na minha escola infantil.
"Quando terei asas para - tal qual um pássaro - poder esvoaçar?"...
"Quando, para pular de uma rama a outra, um dia em mim confio?"...


A mestra, como se se doutorando em ornitologia, então me responde:
"Cresça em tudo e estude; supervalorize as benesses da vida.
O tempo, em breve, transformará sua plumagem em rijos fios,
cabelos, em vez de penas, e você esvoejará sobre as mais altas serras
para as muitas conquistas em torno da terra onde nasceu.
Semeie boas sementes, como o fazem os pássaros mais precavidos.
Em voos, nunca erre o seu caminho, seja nas subidas,
nos arriscados trejeitos no céu, seja nas suaves descidas.
Transforme as cordilheiras ou despenhadeiros que seus olhares
captarem a cada dia em sublimes momentos de paz e harmonia,
qual uma águia".

 
Fernando A Freire
Enviado por Fernando A Freire em 09/12/2020
Reeditado em 15/02/2021
Código do texto: T7131140
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