A JUVENTUDE DE KRISHNA

A JUVENTUDE DE KRISHNA

(mitologia hindu, recontado por William Lagos, 31/7/2011).

A JUVENTUDE DE KRISHNA I

Quando Vishnu decidiu se disfarçar

em seu oitavo avatar, apresentou-se

com um aspecto totalmente humano.

Desta vez, por qualquer motivo arcano,

só com dois braços e duas pernas equipou-se,

e não do modo que costumava se mostrar.

Em avatares anteriores, sempre braços

ou pernas tinha a mais do que o normal:

ora quatro, ora seis e até mais.

Por que motivos tais excessos naturais?

Por que aparecer como um animal?

Só em sua mente se encontrarão os traços...

Naturalmente, por ser um avatar

representado em humana forma,

só se podia esperar fosse perfeito.

Embora às leis da vida ainda sujeito,

Vishnu a tal ponto a humanidade adorna,

que toda mulher o queria conquistar...

E assim se conta que teve a bagatela

de dezesseis mil e cem belas esposas,

com quem gerou cento e oitenta mil filhos...

Tão dedicado de tal amor aos trilhos,

que pouco tempo para obras poderosas

lhe sobraria em sua vida tão singela...

A JUVENTUDE DE KRISHNA II

Praticamente todo o povo indiano

deve ser hoje descendente seu...

Marcado antes por seus atos de altruísmo,

dessa feita dedicou-se ao romantismo:

criar raça mais perfeita pretendeu,

mais adequada ao tipo ideal humano.

Talvez por isso, não foi grande guerreiro,

foi muito mais um galante namorado,

a quem mulher alguma resistia...

Essa deidade provavelmente via,

como tendo por dever o mais sagrado:

reproduzir o seu rosto por inteiro!...

E de fato, é na Índia o deus do amor,

igual que Lakshmi, a Vênus dos hindus,

pois muitas vezes juntos reencarnaram.

Seus descendentes carnais aqui deixaram

e a saga védica a acreditar induz

ser verdadeiro o quanto diz seu narrador...

Pois embora encarnasse para a guerra,

deu Krishna sempre preferência à paz,

cumprindo assim bramânico preceito

de se multiplicar em Seu proveito...

Muito mais almas seu esforço traz

para servirem a Brama sobre a Terra.

A JUVENTUDE DE KRISHNA III

Desse modo, o oitavo dos avatares

chegou a nós completamente humano,

mas ostentando um corpo assim perfeito,

da cabeça aos dois pés sem ter defeito,

como novo padrão super-humano,

gerando assim de si tantos milhares.

E foi chamado então de Sapurana,

em seu caráter divino e adorável.

Naturalmente, não iria passar fome

e desse modo, o aspecto que tome

só o tornaria mais puro e mais saudável,

na apreciação de toda a raça humana.

Destarte, ele encarnou em bom ambiente.

Tinham sangue real ambos os pais,

como depois com Siddharta ocorreria,

em circunstância que lhe garantiria

os melhores confortos materiais

e o respeito imediato de sua gente.

Nasceu então na corte de Mathura,

como filho de Devaki e Vasudeva.

Sua mãe era sobrinha do rajá,

mas na linha direta não está,

porque Ugrasena é que a coroa leva,

representante da linhagem pura.

A JUVENTUDE DE KRISHNA IV

Ugrasena tinha como filho Kamsa,

que de seu trono o sucessor seria,

porém seu reino sempre prolongava

e Kamsa a sua coroa cobiçava...

Além disso, murmúrios ele ouvia,

e a sua impaciência não descansa.

Porque ninguém, de fato, o apreciava.

Era tido por orgulhoso e arrogante.

Poucos queriam tê-lo como rei

e mencionavam uma antiga lei,

segundo a qual, ao morrer um governante,

um irmão seu a seguir se coroava.

Ora, de fato, o rejá tinha um irmão,

chamado Devaka, um leal guerreiro,

que nas batalhas o reino defendia

e muita gente assim o preferia,

por governante de valor certeiro,

enquanto Kamsa não achava aceitação.

E assim Kamsa do tio quis se livrar

e quando o acompanhou, numa batalha,

fingiu as ordens entender-lhe mal

e aos soldados transmitiu outro fatal

comando, provocando grave falha

que a Devaka fez das tropas separar.

A JUVENTUDE DE KRISHNA V

O seu tio pelo inimigo foi cercado

e apesar de todo o seu valor,

eventualmente na luta pereceu.

Então Kamsa o comando reverteu

e comandou as tropas com vigor,

até que fosse o inimigo derrotado.

Colocaram a Devaka numa pira,

consoante seu costume já ancestral

e suas cinzas colocaram numa bilha.

Ninguém lhe percebera a armadilha

e Kamsa, num desfile triunfal,

em herói nacional então se vira.

Mas Ugrasana teimava em não morrer

e Kamsa contemplava-se ao espelho:

já via rugas e até cabelos brancos...

Enquanto combatia nos barrancos,

ficando assim a cada dia mais velho,

seu pai se obstinava em seu viver...

E um belo dia, cansado de esperar,

reuniu em torno a si os generais,

que o apoiaram em sua decisão.

Forçou do pai sua abdicação

e contra todos os deveres naturais,

ao velho rei mandou encarcerar.

A JUVENTUDE DE KRISHNA VI

Na verdade, pouca gente protestou:

o rei velho já não fazia quase nada.

Era o vizir que seu reino governava

e era Kamsa que suas tropas comandava.

E quem detinha em si o poder da espada

rapidamente a resistência dominou.

E no princípio, governou com equidade,

buscando o bem do povo e a justiça.

Seu pai em bom conforto ainda vivia:

numa alta torre sua vida persistia.

Tinha servos e servas nessa liça,

comia bem... Só não tinha a liberdade.

E como Kamsa fosse bom guerreiro

e suas tropas ainda liderasse,

após algumas falhas tentativas,

seus inimigos iniciaram tratativas

de paz e que aliança celebrasse...

Um feito que agradou ao povo inteiro.

Mas embora muitos falem contra a guerra,

é na paz que mais prospera a corrupção.

Kamsa mantinha de sua corte o fausto,

e pouco a pouco, em hausto após um hausto,

foi aumentando sua tributação.

e oprimindo lentamente toda a terra.

A JUVENTUDE DE KRISHNA VII

Mesmo assim, os protestos eram poucos,

porque sua tropa era leal e aguerrida.

Os nobres aumentavam sua riqueza,

viam os pobres crescer a sua pobreza,

mas é assim, afinal, que corre a vida...

Contra o governo só revoltam-se os mais loucos.

E os camponeses, sem cuidados, trabalhavam;

havia lucros para os comerciantes;

os operários e os muitos artesãos

ainda obravam pela força de suas mãos.

E se os impostos eram mais do que eram antes,

paciência!... Murmuravam, mas pagavam.

E embora Kamsa ser tirano não mostrasse,

os seus aristocratas o temiam...

Somente Vasudeva o aconselhava

a não tirar do povo mais que dava.

Todos os outros, em silêncio, obedeciam,

temendo pena que a eles se aplicasse.

Porém um dia, escutou um mau conselho

de um astrólogo chamado Nardamuni.

Como adivinho era aceito em seu castelo;

só Vasudeva não se curvava ao vê-lo.

Que fosse inimigo seu ele presume,

usando então de um truque já bem velho.

A JUVENTUDE DE KRISHNA VIII

Pois ao rajá foi mentir que recebera,

diretamente dos céus, revelação...

Traçara o seu horóscopo e sabia

exatamente com o rei pereceria:

que seria executado pela mão

de alguém que em seu palácio já acolhia.

Mas quando a Vasudeva mencionou,

Kamsa não se dispôs a acreditar.

"É que ele é um oitavo filho," disse o mago.

"Oitavo filho de um oitavo filho eu trago

no seu horóscopo: será quem o irá matar!..."

Kamsa depressa informar-se procurou.

E desmentiu ao astrólogo depressa:

"Nardamuni, você está equivocado.

O pai de Vasudeva era o terceiro

filho de seus pais... Você é um traiçoeiro:

soube que está de meu primo enciumado

e só quer enganar-me com essa peça!..."

"Não, meu senhor, eu só interpretei

mal os presságios. Será seu filho, então,

o oitavo que tiver que o matará!...

Ele é um oitavo e oito filhos gerará.

Contra o rajá levantará sua mão

o oitavo filho, conforme lhe contei..."

A JUVENTUDE DE KRISHNA IX

"Pois não esqueça, senhor, que a esposa dele

é a sua prima em segundo grau...

Não tem direito, mas um dos filhos que tiver,

gerados com sua prima e sua mulher,

poderá arquitetar desígnio mau,

quando a ambição a destroná-lo o impele!..."

Kamsa, porém, não convencido ainda,

zombou do mago: "Ora, Nardamuni,

e por que me buscaria destronar

essa criança ainda por gerar...?

E até Devaki ser estéril se presume,

pois permanece numa espera infinda..."

Mas Nardamuni se comprometera

e seu prestígio via estar perdendo...

"Senhor, é Vishnu que nele irá encarnar,

com a intenção bem clara de o matar!"

"Quando o fizer, já velho estou me vendo...

Essa sua léria nada tem de verdadeira..."

E Nardamuni forçou a imaginação:

"Meu rei, desculpe se lhe digo agora,

mas o senhor mesmo é a reencarnação

de Kalanemi e, em mais de uma ocasião,

esse Asura foi morto, lá no outrora,

por Vishnu, durante guerra ou rebelião!..."

A JUVENTUDE DE KRISHNA X

Tanto falou que a Kamsa convenceu.

Prendeu os primos noutra torre do castelo.

Mandou tratá-los com o máximo respeito.

Só lhes negava um único direito:

de um filho ter, quer fosse feio ou belo,

porque tal filho seria inimigo seu!...

E trancados ali, os dois sozinhos,

rapidamente Devaki concebeu.

Nascido o filho, foi-lhe logo retirado

e no porão do castelo executado.

Essa notícia, porém, ninguém lhes deu:

seria criado com os filhos pequeninhos

do próprio rei, que assim determinara.

Não queria ver crianças na prisão.

Embora protestassem, que fazer?

Logo Devaki voltou a conceber,

seus sete filhos mortos à traição,

por toda a dor com que a vida lhes gerara.

Porém ao ver que já esperava o oitavo,

Vasudeva com uma criada combinou

que quando ele nascesse, o ocultasse:

na roupa suja que a lavar levasse.

E assim um nenê morto ela arranjou:

um pobrezinho que nascera escravo...

A JUVENTUDE DE KRISHNA XI

E então Vishnu, que finalmente reencarnou,

foi levado às escondidas para fora

e Devaki então cessou de conceber.

Porém Yashuda o fora recolher,

a esposa de Nanda, sem demora,

e com carinho, igual que filho, ela o criou!

E foi chamado, por inspiração,

de Krishna, o belo e o adorável...

E realmente, foi criança linda.

Submeteu-se, com paciência infinda

a tais cuidados, criando-se saudável,

o nobre Vishnu, senhor da criação!...

Porém o mago, em sua bola de cristal,

passados alguns meses, descobrira

que esse oitavo filho ainda vivia...

E bem depressa a Kamsa ele dizia

que o perigo sobre ele persistira

e que o menino era o inimigo natural.

Acometido por grande fúria e medo,

os seus dois primos Kamsa mandou matar

e a todos os criados torturar.

Mas Yashuda já conseguira escapar...

Somente descobriu em que lugar

ela escondera Krishna, em segredo.

A JUVENTUDE DE KRISHNA XII

Ora, Nanda, o marido de Yashuda,

era o chefe de uma tribo montanhesa,

muito ciosa de sua independência.

Participava de suas tropas, com frequência;

fazia parte de Mathura, com certeza,

mas das montanhas a proteção a escuda.

De Vrindavana, no aprazível vale,

gado de leite era por eles pastoreado.

Não o gado de corte, certamente:

carne vermelha não comia tal gente

e tratava com respeito todo o gado,

conforme a tradição antiga fale.

Kamsa se viu às voltas com dilema...

Mandou pedir o menino a seu aliado,

que recusou, dizendo ser um filho seu.

E Krishna bem depressa ali cresceu,

meigo e gentil, por todos adorado,

por sua beleza e por bravura extrema...

Então Kamsa assassinos enviou...

O primeiro quis matá-lo com punhal.

Ainda no berço, Krishna sorriu;

toda a maldade do bandido lhe fugiu

e, por vergonha de querer-lhe mal,

no próprio peito seu punhal cravou!...

A JUVENTUDE DE KRISHNA XIII

Vieram outros dois, porém ao verem

o belo Krishna, fazer nada puderam

e os dois se degolaram mutuamente.

Já o poder de Krishna era potente

e as gotas de sangue que no chão verteram

secaram bem depressa, a enegrecerem...

Por isso a Krishna de O Negro apelidaram.

Kamsa mandou-lhe mais sete assassinos.

Primeiro três, depois quatro se mataram,

porque seu brando olhar não suportaram...

Kamsa apelou a diferentes tinos:

ele e o mago a um Asura convocaram!...

E o asura Purana o perseguiu

por toda a volta do formoso vale...

Krishna a manteiga das vacas espalhou.

Quando Purana no solo escorregou:

cortou-lhe a língua para que se cale

e se engasgou com o sangue que engoliu...

Enfim, chamou o mago uma serpente,

chamada Kália, que o rio tentou envenenar,

para matar o gado e seus pastores.

Com um machado, levou-a aos estertores,

após suas sete cabeças lhe cortar,

para o espanto e o louvor de toda a gente!

A JUVENTUDE DE KRISHNA XIV

Depois disso, Kamsa a Indra suplicou

e o deus do sol enviou uma tempestade...

Mas Krishna o monte Govárdana arrancou

e sobre o povo em guarda-chuva o colocou,

sem que ninguém sofresse de verdade:

com uma só de suas mãos o sustentou!

A essa altura, já era adolescente

e mulher alguma a ele resistia...

Porém os homens também o adoravam

e por tantas aventuras o perdoavam...

Mas da morte dos pais ele sabia

e um certo dia, foi convocar sua gente.

Foram a Kamsa, no campo de batalha

e Krishna à frente das tropas se mostrou.

Os soldados inimigos não puderam

lançar-lhe flechas e tampouco se atreveram

a atacá-lo de outro modo... Então ficou,

armado apenas com a vara de uma palha,

frente à frente com Kamsa, que o enfrentou,

encouraçado e totalmente armado...

Mas cada vez que a Krishna encarava,

a sua beleza logo o desarmava...

Tentou feri-lo, olhando para um lado,

mas bem depressa no chão escorregou...

A JUVENTUDE DE KRISHNA XV

Então Nardamuni, em busca de perdão,

ou porque não resistisse a seu encanto,

matou ao próprio rei, seu protetor.

Mas ao fitar a Krishna, o malfeitor

tanto chorou, que se afogou em pranto,

por todo o mal que lhe causara de antemão.

Depois Krishna dirigiu-se até Mathura

e soltou a Ugrasena da prisão,

ainda bem forte, apesar de sua velhice.

Krishna no trono o restaurou e disse

que governasse com justiça sua nação,

até o final da vida longa e pura...

Ugrasena, agradecido e com amor,

prontamente designou-o como herdeiro...

Mas Djarassandra, de Maghada o rei,

invocou em seu favor antiga lei,

por ter casado com a irmã, primeiro,

de Kamsa, de quem seria o vingador!...

Porém Krishna, que não queria guerra,

dezoito vezes evitou o combate.

Deixou que Djarassandra conquistasse

Mathura, desde que não destronasse

o velho rei de novo. Foi para Guzarate:

fundou Duaraka, no centro dessa terra.

A JUVENTUDE DE KRISHNA XVI

Mas como Djarassandra derrubasse

o velho rei, que não queria morrer,

levou Krishna suas tropas a Mathura.

E ao contemplar-lhe a perfeita formosura,

Djarassandra sentiu-se enfraquecer

e sua ambição inteira então desfaz-se...

Perante Krishna prostrou-se o usurpador

e retirou-se para a terra de Maghada.

Casou-se Krishna então com a princesa

Rakmini de Vidharba, que a beleza

tinha igual à de Lakshmi, sua fada,

devotados a fiel, místico amor...

Pois a irmã de Rakmini, Rukabal,

dera à luz um menino deformado,

com três olhos, três pernas e três braços.

E foi pedir de Krishna os abraços.

No seu colo, o menino foi curado,

assumindo seu formato natural.

Rukabal tinha o dom da profecia

e então pediu a Krishna que perdoasse

cem insultos de seu filho Susipala,

depois que, adulto, exercesse o dom da fala.

E embora Krishna com o pedido concordasse,

soube que isso de nada adiantaria...

A JUVENTUDE DE KRISHNA XVII

O pai de Rakmini e Rukabal

quis Susipala casar com a própria tia,

mais velha do que ele quinze anos...

Krishna e ela, reunidos por arcanos,

Logo ao se verem, o velho amor aparecia...

Krishna interrompeu a cerimônia nupcial.

E declarou que a noiva a ele pertencia!

Todos ficaram perplexos, mas afinal,

Susipala era ainda uma criança;

muito melhor com o rajá ter aliança!...

Com a boda concordara Rukabal

e assim um novo casamento se inicia...

Susipala não sabia ainda falar

e muito menos ofendido se sentia...

Porém mais tarde, quando lhe contaram,

de rancor seus dois olhos rebrilharam.

De ter sido humilhado se iludia,

a projetos de vingança ruminar...

Mas entrementes, o demônio Nakasura

percorrera todo o reino de Vidharba

e dezesseis mil donzelas raptara.

Krishna então com o mau gênio se enfrentara,

agarrando-o, com firmeza, pela barba,

em que se achava a força desse Asura...

A JUVENTUDE DE KRISHNA XVIII

E pela força tão só de seu olhar,

Nakasura se encolheu e definhou,

até que fosse por Krishna esmagado...

Porém não lhe bastou ter libertado,

as dezesseis mil moças que ele raptou,

porque os pais as decidiram rejeitar!...

Pelo demônio tinham sido degradadas.

Nenhuma delas poderia se casar!...

Então Krishna casou com todas elas,

filhos gerou em dezesseis mil donzelas,

que suas famílias tiveram de aceitar,

pela graça do rajá reabilitadas...

Ficou Krishna porém, com oito delas,

a principal de todas Satyabhama,

pois descobriu serem todas avatares

de sua Lakshmi, de poderes singulares.

Como rainhas as oito então proclama,

sem que Rakmini se enciumasse delas...

E no total, gerou cento e oitenta mil

filhos com elas e mais outras mulheres,

pelo poder de sua divina graça,

renovando totalmente a humana raça,

mais por dever que por quaisquer prazeres,

bem mais por honra que por desejo vil.

A JUVENTUDE DE KRISHNA XIX

Passou-se o tempo, até que o marajá

Yudisthira ao trono então se alçou.

Todos os rajás, para sua coroação,

com grande pompa e maior celebração,

sem mais delongas, ele convocou

e trinta reis foram reunir-se lá...

Yudisthira tratou a todos muito bem,

porém a Krishna com grande deferência.

Em nada envelhecera o Adorável;

três vezes se tornara respeitável:

tinha três reinos sob sua potência...

(talvez soubesse Quem ele era também.)

Susipala era um desses rajás.

Herdara o trono ao lhe morrer o avô

e se sentiu insultado duplamente:

que Krishna tivesse tratamento diferente,

depois que a antiga noiva lhe tirou...

(Porém com ela não se satisfaz!...)

Calou-se Krishna, enquanto Susipala

ofensas lhe fazia, numerosas.

De sua promessa recordou, também:

que o perdoaria se o ofendesse cem

vezes... Mas as palavras perniciosas

choviam do rival, que não se cala.

A JUVENTUDE DE KRISHNA XX

Mas depois de o insultar vezes noventa,

Susipala predispôs-se a agredi-lo.

Krishna usava de palavras mansas,

Susipala o atacou com espada e lanças,

sem conseguir de modo algum feri-lo

e a centésima-primeira então intenta...

E Dantavakra veio em sua ajuda,

enlouquecido pela ação do vinho,

apesar do que dizia o imperador:

que sangue, no seu dia de louvor,

não derramassem perante seu caminho.

Porém Krishna nesse instante se demuda...

E como Vishnu a todos aparece!

Todos se ofuscam diante do esplendor

e de seu Chakra principal brotou uma luz

que Susipala e Dantavakra então reduz

a cinza e poeira, sem maior calor,

dissipadas mais veloz do que um prece...

Esses dois reis eram reencarnações

de Jaya e de Vijaya, seus porteiros,

que do serviço haviam descurado

e o par fora deste modo castigado

a encarnar nos adversários derradeiros,

só pela morte recebendo seus perdões.

A JUVENTUDE DE KRISHNA XXI

Ao paraíso de Vishnu esses dois

retornaram juntos, num momento.

Perante o deus felizes se curvaram,

e nunca mais de seu trabalho descuraram.

E a ninguém espante este portento

e nem suponha que transcorreu depois.

Porque Vishnu tem o dom da ubiquidade

e pode estar em múltiplos lugares,

ao mesmo tempo, sem dificuldade.

De seu reino não se afasta, na verdade,

somente envia seus muitos avatares,

aos quais anima com simultaneidade.

Então Dhritarashtra, um rei cego,

pediu a Vishnu que lhe desse luz,

só pelo tempo em que o pudesse contemplar.

Porque ele a Krishna ansiava por matar:

era um disfarce que Hiranya produz,

o velho Asura, da Sansara em seu apego.

Segundo alguns saddhus, até pensava

em Vishnu libertar da forma humana

e a si mesmo libertar da natureza

maligna, que o dominava, com certeza,

depois de tanto dedicar-se a Brama,

mas que então inteiramente o governava...

A JUVENTUDE DE KRISHNA XXII

E então Krishna também o fulminou,

apenas restaurando-lhe a visão.

Ao contemplar de Vishnu o esplendor,

sua mente inteira encheu-se do fulgor

e desmanchou-se inteira, em implosão:

nem uma gota de sangue derramou...

Por dois mil anos permaneceu o Asura

longe da Terra, até chegar Siddharta,

quando de novo buscou reencarnar,

para o Buddha de algum modo dominar,

nessa ambição de que nunca se farta

e que o consome por dentro, em amargura.

Porém a Buddha não pôde derrotar

e recolheu-se à terra dos Asuras,

até que surja o décimo avatar,

Kalkin, que irá aos humanos libertar

de nossa era tão cheia de amarguras,

a Kali Yuga... e a morte dominar...

Então Hiranya também irá voltar

a combater esse cavalo alado.

Seu avatar será feroz dragão!...

Mas o cavalo branco, com razão,

ao dragão negro colocará de lado,

até que Brama retorne a respirar...

A JUVENTUDE DE KRISHNA XXIII

Recomeçou do Marajá a coroação,

pois nenhum sangue fora derramado

e Krishna, outra vez, mostrou-se humano,

e mais ninguém demonstrou-se tão insano

que a combatê-lo se tivesse apresentado,

durante as pompas da celebração.

Anos depois, Krishna a Ardjuna aliou-se,

assumindo o papel de seu cocheiro,

em uma longa guerra que travou.

Porém Krishna nenhum sangue derramou,

porém a guerra só venceu esse guerreiro,

graças a Krishna e aos conselhos que lhe trouxe.

E está narrada no Bhagavâd Gita,

longo poema de mais valor que o meu

e para o qual não tenho aqui espaço...

Porém Vishnu do avatar sente cansaço

e quer voltar ao paraíso seu:

outro interesse seu coração agita.

E desse modo, durante uma caçada,

assumiu de um grande cervo a ilusão;

e o seu amigo, Djara, o caçador,

uma flecha disparou, com todo o ardor,

perfurando-lhe inteiro o coração,

sem que sua forma lhe fosse revelada.

EPÍLOGO

E do avatar libertou-se, finalmente,

embora a Terra observe, cuidadoso,

a defendê-la de qualquer perigo,

porque esse Filho de Brama é nosso amigo

e para os homens se demonstra dadivoso,

a cada vez que ameaça se apresente.

E aqui termina esta história, finalmente...

Resta dizer que Ardjuna, vitorioso,

após sua morte, retornou ao Sol,

Indra, seu pai, que brilha qual farol

e tem no Svarya seu castelo mais glorioso,

ao qual retorna toda noite, pontualmente.

VEJA TAMBÉM A VERSÃO EM PROSA

William Lagos
Enviado por William Lagos em 01/08/2011
Código do texto: T3131816
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