Da criação e da queda

Houve um tempo

Onde não havia tempo

O senhor de todas as coisas

Criou o mundo

E fez nele um jardim

Imenso e pequeno

E dentro do jardim

Imaginou duas crianças

Saídas dos tocos das árvores

Das velhas raízes

Das sobras das folhas

Das pedras miúdas

Dos respingos da fonte

Quando cai nas rochas do vale

Criadas do último vaga-lume

Ou da estrela mais próxima

Talvez do refugo das minhocas

Essas duas crianças

Menino e menina

Brincavam no jardim

Peladinhos,

Igual aos anjos barrocos

Brincavam de pega-pega

Esconde - esconde pipa

A pipa, um leve aumento de asas

Voava, subia e descia

E eles começaram a desejar

Toda a amplidão do céu

Como se fossem a extensão dos campos,

E as flores continuavam belas

Misturadas entre as borboletas

O menino e a menina

Sempre nus

Nunca sentiam frio

Nem medo,

À noite conversavam com Deus

Ele virava criança também

E descia de uma estrela grande

Para brincar um pouco

Porque ninguém é de ferro

E todos nós merecemos uma balança

Uma balança de tábua

Entre os galhos tortos e rachados

De uma goiabeira antiga

Ou uma balança feita

Da folha seca de um coqueiro solitário.

Um belo dia,

Jesus quis morar

Junto com a menina e o menino

Mas de birra, eles

Não quiseram deixar

De ciúme do irmão que era pai

não queriam dividir

As frutas do jardim.

Jogaram uma serpente

No outro menino dizendo que era

Um presente de acolhimento,

Eles conheceram a maldade

E cresceram...

Tiveram que sair do jardim

Já não eram mais crianças,

E sentiram vergonha

E saíram de mãos dadas

Pelo mundo vazio

Sem olhar para trás

E Deus voltou para a estrela

Longe, longe...