Meu amigo vira-lata ao me ver de cara amarrada, vira a cara.
Faz greve, não vira lata,
não derruba objetos,
não revira o lixo
E se enrosca em sua toca,
não troca carícias, não toca a ração.
Que cão cheio de manhas!
Mas se assanha quando grito:
“saia já daí e vamos passear”.
Com seu focinho frio,
toca meu rosto, me lambe... Sinto arrepios.
Feliz, cheira meus livros, sobe na poltrona,
faz xixi no tapete.
Dá-me uma vontade dar-lhe um tabefe.
De tão feliz se esquece de usar o xixizeiro.
Deixo o tapete de molho e andamos pelas ruas de olho em tudo
e se alguém se aproxima, para falar comigo
late e me fita, como se dissesse:
“fica tranqüilo, aqui estou para defender meu amigo”.
Depois de intensa caminhada, voltamos para casa.
Ele quer água e comida na mesa.
(Cão folgado, ainda faz cara feia!).
Come, bebe água, come mais, bebe mais e de barriga cheia,
vai dormir depois de me sorrir.
Cai em sono profundo...
Entra em outro mundo.
Um mundo de sonhos, pois rosna dormindo,
abana o rabo, as pernas se abrindo.
Cão sem rabo é como árvore sem galhos.
Chega mesmo a latir. Acho que ri.
E é de mim.
Sonha que sou um vira-latão.
Ah, como gosto desse vira-lata.

Do livro Palavras de Amor - à venda no site da editora:
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