A ROSA E O TRIGO Dom Belchior Joaquim da Silva Neto (RECITATIVO), bispo falecido de Luz.
Vibrava, alegre, o sino do mosteiro,
Como só vibra nas manhãs formosas.
De minha ceia, à frente, num canteiro,
Eu assistia ao desfolhara das rosas.
Vi a ramagem palpitar ligeira,
Ao doce vento carinhoso e amigo,
E contemplava embaixo da roseira
Humilde espiga do mais louro trigo.
A linda rosa, sacudindo as ramas,
Toda orgulhosa, punha-se a dizer
- “Pobre galhinho, como tu te chamas?
Que triste sorte tem o teu viver?!”
Todo o jardim, a rebrilhar de orvalho,
Voltou-se à rosa pra escutar também.
- Sou um pobre trigo, lhe murmura a galho,
Mas, não invejo a sorte de ninguém!
- Que presunçoso! Grita-lhe a rainha
És um raminho rastejante, imundo!
Levanta as vistas à beleza minha,
Vê como atraio o olhar de todo mundo!
- És bela, eu sei... Por que zombar, contudo,
De minha sorte de viver assim?
Ó linda rosa, se eu contasse tudo...
Tu é que estavas a invejar de mim!
-Pequeno galho, lhe responde a rosa
Falas tão firme, decidido e sério,
Não te desprezo. Pões-me curiosa...
Quem sabe em ti se oculta algum mistério?!
Quem sabe, ó trigo, alguma incerta fada
Vai te mudar em Rei de amor e glória!
E a espigazinha numa voz velada:
- Ó bela rosa, escuta a minha história.
“Disseste bem: num mísero raminho,
Sou feia e pobre, rastejante e... só!
Mas, brevemente, posta num moinho,
Serei de todo convertida em pó!
Por que zombar de minha desventura?!
Ó linda rosa, ver-em-às, um dia,
Mudada em pó, depois em Hóstia pura,
Trazendo o Deus da Santa Eucaristia!
Vês, bela flor, eu vou me transformar
Num Rei formoso de um poder sem fim!
Outro viver em mim terá lugar...
É o próprio Deus que viverá em mim!”
Quando caiu a tarde no Mosteiro
E a natureza se mostrou radiosa,
Estava lindo o trigo do cativeiro,
Todo afogado em pétalas de rosa!
FONTE:
MILAGRE, Sebastião Bemfica e VALE, Gentil Ursino. Mar, todas as águas te procuram. Divinópolis, MG: ADL, 1962. P. 18 e 19.
Leia meus escritos em RECANTO DAS LETRAS, procurando J B Pereira (sem ponto entre as letras).