ASPIRAÇÃO DE CONSCIÊNCIA
eu queria
rasgos na pele já ferida pelo látego fustigar
e no meio-tempo alegria
sentir tristeza, mostrando lágrimas sangrentas
cristalizando-se nas fendas
da face...
aguçadas pontas de espinhos incomodam
atravessando
o livre curso de meu pensamento maduro;
coroa de louros espinescida
enfeitando minha cabeça de poeta e mestre
entre véus encarnados
de dores...
perder o dom de respirar,
o salário de todo meu viver,
subtraída por Deus, o perfume da vida,
ao perceber
minha responsabilidade, peso insuportável
do mundo sobre minhas costas – que por sinal
não é o torso de Atlas –
e todos os corpos lenhosos
esmagando-me com odor de clorofila...
pretendo ouvir sons
de martelo que arranca dores nos pregos;
aço rompendo músculos,
nervos e ossos...
sentindo a ausência de Deus
vejo o sinete da dor carimbar meu espírito,
e ouvir zombarias;
sarcasmos que ferem mais que açoites...
seria mais amável, respeitoso a mim,
a glória de padecer;
não de arrancar meus pensamentos...
queria estar no bojo de grande moinho;
e é desejo contumaz
ver sobre minha massa
as engrenagens passando:
solidão, temor, fraqueza e agonia...
e ainda assim pudesse eu retirar,
mesmo com força sobrenatural,
gotas de sangue:
rosas vermelhas de suor...
ambiciono
no meu meio-tempo sorriso
ouvir o som da lágrima
entre seu rolar pelo caminho da alma,
chorar, molhando
minha face de pedra.
que a claridade alegre que o dia traz
fumarada fosse pelas trevas
e meu temor aflorasse
como se abalam as entranhas da terra...
quero, enfim, encontrar
no meu meio-tempo felicidade
pelo menos um sofrer mínimo
no lugar do Mestre de Nazaret.