AGUARDO & MAIS

AGUARDO I (24 JUL 11)

Eu devo agradecer, Senhor, por este dom

seja o teu nome Dionyso ou Jeová,

Vishnu ou Shiva, Apolo ou mesmo Alá:

a graça concedeste e sei que és bom!

A ti Calíope, musa antiga, em igual som;

Ildaba ou Inanna, que no Oriente já

se veneravam, enquanto o Egito está

ainda imerso em barbaresco tom...

Qualquer que seja o nome que Te deem,

meu deus Altíssimo, davídico Elshaddai,

por toda a inspiração eu te agradeço;

sejas Demiurgo ou Grande Mãe também,

cada poema que de minha pena sai

de ti provém e humilde o reconheço.

AGUARDO II

De publicar jamais tive intenção,

por não perder o dom da maravilha.

Segui ao longo de minha longa trilha,

cantei os cantos da pura encantação.

Acreditei na crença da visão

de que o líquido jorrado dessa bilha

facilmente alcançaria quanta milha

necessitasse para tal reprodução.

Que os versos realmente mais saudáveis,

quais espermatozóides, abririam

os óvulos da própria aceitação.

E assim espero que deuses formidáveis

de editoriais tronos de luz ainda sorriam

no sacramento de sua publicação...

AGUARDO III

Pois acredito que a força do poema

e a forma como expressa sua saúde

não se encontram no esforço que amiúde

é dispendido por gente tão pequena

que por se ver impressa se despena...

E depois, sobre os amigos, como grude,

empurra livros de que o valor se ilude...

Minha abordagem é muito mais serena.

Se versos têm valor, que se publiquem!

Que de editores chamem a atenção,

que se disponham a lhes dar valor que têm,

que busquem os destinos que os indiquem

para quem deles partilhe essa ilusão,

no mesmo instante em que seus olhos leem.

AGUARDO IV

Contudo, se foi Deus que me inspirou,

não cabe a mim enterrar esse talento,

que até hoje me espanta esse portento

de tanto verso que de mim jorrou...

Que não são meus, a boca já afirmou,

porém pertencem a quem o sentimento

é capaz de atribuir-lhes julgamento

igual àquele que dos céus brilhou.

E assim, eu não escondo. Distribuo

somente entre os amigos e parentes,

sem desespero por reconhecimento.

Não os amarro no lenço em que hoje suo,

nem os exponho a olhares complacentes

mas da parábola aceito o mandamento.

FOSFATOS I (26 JUL 11)

Dessa árvore imensa sou um galhinho,

pequeno e frágil, desnudo em cada inverno.

Caindo a geada, fico ainda mais terno

e até a primavera, eu sou mesquinho...

Quando me brotam folhas, de mansinho,

entre as alimentar então me alterno.

Com sua permanência me concerno:

protejo cada broto pequenino...

Porém eu mesmo necessito proteção,

porque é do galho que a seiva me provém

e esta sobe pelo tronco, da raiz...

Tremenda coisa é depender, então,

dessa árvore da igreja, que nos têm

sustentados por seiva mais feliz!...

FOSFATOS II

Da árvore a seiva é como leite:

espessa e branca percorre o corpo inteiro.

Pois ela cresce, imensa, no terreiro,

a todos protegendo em seu aceite.

Da igreja a seiva escorre como azeite:

óleo de unção recobre-me, ligeiro,

desde a cabeça aos pés, porém primeiro,

cobre-me a alma, em límpido deleite.

E como cada galho e cada fruta

dependem dessa seiva da raiz

e na ausência de alimento se ressecam,

a Santa Seiva a própria alma escuta,

muito atenta ao murmúrio com que diz

como sustenta os ramos que ainda pecam.

FOSFATOS III

Contudo, quando chega a primavera

e brotam folhas, em verdes multidões,

a luz do Sol as cobre, em borbotões:

de cada uma retorno o corpo espera...

A fotossíntese em cada ramo impera:

crescem folhas e frutos de orações,

engrossam ramos, nessas mutações,

tornam-se galhos e o parênquima se gera.

Assim, de cada ramo a vida brota,

devolvida em devoção ao lenho antigo,

pela prece que murmura cada crente.

E nessa fotossíntese ignota,

o Sol e o ar afastam o perigo

e a própria igreja torna-se potente...

FOSFATOS IV

E posso ser assim humilde galho,

que me alimento da seiva que me dão,

durante o inverno de meu coração,

quando à minha fé e dever assim eu falho.

Porém na primavera, então trabalho:

retorno o sangue de meu coração.

Meu galho explode em plena floração,

na primavera e verão em que me espalho.

E junto a mim, cada flor e cada ramo

ajudam no invisível crescimento

dessa árvore que em milênios se enraíza.

Eu só vejo o presente, em que proclamo

a expressão de meu devotamento,

nesse fosfato que à gigante fertiliza.

CONCHAS NACARADAS 1 (6 ago 11)

Eu sempre acreditei haver portais

que nos levavam a mundos paralelos,

onde meus gêmeos, portando iguais alelos,

podiam intercambiar-se, sem jamais

perceber a mudança e que, não mais

se encontrassem a gozar iguais desvelos

ou castigos, então, quer mundos belos,

quer tristes vidas, à minha quase iguais.

Também acreditei qualquer milagre

somente desse modo explicação

pudesse ter, no equilíbrio da balança.

E agora vejo ideal que bem consagre

de um duplo meu a força da oração,

mas que de mim roubou toda e esperança...

CONCHAS NACARADAS 2

Talvez, nesses meus sonhos verdadeiros,

esses que naturalmente ainda frequento,

esses lugares comuns em que me assento

e a que retorno, igual que os seresteiros,

eu esteja visitando.., Os mil poleiros

de mundos paralelos de um momento,

enquanto um outro eu de esquecimento

se transporta a meus concretos reposteiros.

Talvez seja bem mais forte do que eu

e esteja minhas paragens visitando,

para escolher onde quer permanecer

e me retirará tudo o que é meu,

em troca do que está abandonando,

sem um lamento por meu padecer...

CONCHAS NACARADAS 3

Talvez em tais meandros até encontre

identidades minhas paralelas

e conversemos sob róseas estrelas

e um sol aveludado se demonstre.

Talvez descubra ser um avatar

de qualquer entidade poderosa,

que me criou, em hora melindrosa

e não consegue, até agora, descartar...

Opostamente, seja eu o dominador

e os outros eus até mostrem rancor

pelo que deles sonho, em leviandade

ou quiçá, algum outro nos governe

e em seu palco de fantoches nos interne,

nossos cordéis puxando à sua vontade...

CONCHAS NACARADAS 4

E talvez seja cada um de nós guardado

em pequenina concha nacarada;

que de seus filhos seja a festa abrilhantada

pelos fonemas de tom anasalado

que o nosso amo emprega em suas histórias.

Abre as caixinhas, rejunte de memórias:

nos atribui intenções as mais inglórias

ou ações heróicas e façanhas meritórias.

E que, depois de encerrados os aplausos,

de novo nos coloque nas caixinhas

de madrepérola e nácar revestidas,

até que queira narrar seus novos causos,

em que seremos novas figurinhas,

para seu público somente dirigidas...

William Lagos
Enviado por William Lagos em 10/08/2011
Código do texto: T3150911
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