IGREJA / LA IMA CAVEA - ZARAGOZA / CALENDAS CELTAS
IGREJA I (11 jun 11)
Desta videira o dono é meu Senhor,
à sua sombra descansa, no sol posto
e quando as cepas florescem a seu gosto,
eu sou uma uva e ele é o viticultor.
Esta parreira ele poda com amor,
durante os dias frios do mês de agosto,
desta forma se produz o melhor mosto
e cada uva rebrota com vigor.
Eu sou uma uva e quando me abraçares,
com outras mais, nós formaremos cacho,
cheio de seiva e doce em seu sabor,
enchendo desta igreja os seus lugares,
amplexo sem fêmea e sem ter macho:
somente o vinho do mais perfeito odor.
IGREJA II
E assim podemos desfrutar de tal abraço
sem que perturbe a alma algum sexor.
No ósculo do puro e santo amor,
a igreja inteira envolta nesse laço,
bem diferente desse alheio espaço,
em que o prazer tem tabela de valor,
em que o amor barganha o seu calor,
tão desviado de seu antigo traço.
Na comunhão dos santos abençoada,
no corpo místico de Cristo enraizada,
na canção vívida dos velhos menestréis,
nos sete dons do Espírito divino,
em cada coração batendo o sino,
nessa sagrada assembleia dos fiéis.
IGREJA III
Em cada cacho as uvas apinhadas,
suas superfícies de geada imaculadas,
na festa celestial de seus racimos,
no coro simples dos mais gráceis hinos,
ainda esperam por ser apisoadas,
nesse lagar de Cristo, consagradas,
em suprassumo de bênçãos a verter,
a fim de o cálice completo preencher.
Pois é preciso que sejam esmagadas,
para que o vinho possa fermentar...
E assim ocorre com nosso sofrimento,
na diária prensa da vida atribulada,
na zombaria que dos ímpios é lançada,
até o dia final do julgamento...
IGREJA IV
Pois tu, amigo e irmã, também és uva,
a rebrotar dos galhos da parreira.
Certas gavinhas são, com mão certeira,
podadas antes que seu galho engruva.
Pois um vinhedo prefere pouca chuva:
é na aridez que dá cachos em carreira.
E assim tua vida será menos grosseira,
quando podada por tal divina luva.
Para que sejas videira mais copada
e as outras uvas cresçam, abundantes,
todas iguais, nenhuma sobranceira.
Em cada cacho uma igreja consagrada,
nessas frutas de mosto vicejantes,
até alcançarem a vida eterna inteira.
LA IMA CAVEA - ZARAGOZA I (5 JUL 11)
Os homens morrem e seus descendentes
demolem rápido as suas construções
e reconstroem as novas gerações
sobre a caliça das defuntas gentes...
Até em cemitérios são frequentes
esses prédios de recentes ereções.
São as pedras reusadas, por razões
de indolência e de ambições recentes.
Por isso, essas cidades tão antigas,
já fundadas no tempo dos romanos,
a maior parte dos vestígios já perderam,
enquanto aquelas que tropas inimigas
destruíram, em massacres desumanos,
muito mais de seu passado retiveram.
LA IMA CAVEA - ZARAGOZA II
Ocorre assim com essas mil colinas,
que os árabes sabem ser artificiais
e chamam de tells, enquanto as naturais
são os djebs: trazem formas peregrinas
estátuas e afrescos, pisos tais
como eram, antes que as assassinas
lanças e espadas causassem-lhes as sinas,
enterradas sob a areia, em dias finais.
São ao longo das eras preservadas,
enquanto os vivos agem quais formigas
e retiram, uma a uma, suas paredes,
canibalizam as ruínas conservadas,
em seu desprezo por memórias mais antigas,
para mais fácil atender às próprias sedes...
LA IMA CAVEA - ZARAGOZA III
Deste modo, para nós, é bem melhor
encontrar os locais abandonados,
mesmo depois de tantas vezes habitados,
quando o extermínio foi talvez pior.
Igual que Schliemann, que sabia a Ilíada de cór
e descobriu, sobre os montes desnudados
de vinte e três cidades os passados,
uns magníficos, outros de menor
importância, mas todos preservados,
só porque Tróia se tornou desabitada
e não houve quem ampliasse sua ruína...
Enquanto em pontos que continuaram habitados,
foi a maioria das pedras arrancada,
em clamoroso desrespeito à velha sina...
LA IMA CAVEA - ZARAGOZA IV
Assim, ao contemplar o que restou
da Ima Cavea da velha Zaragoza,
esses restos corrompidos, quase troça
do esplendor que ali um dia dominou,
enquanto muito mais se preservou
em outros pontos que lembrar se possa,
na própria Espanha, com diminuta mossa,
só posso lamentar quanto passou...
E agora vejo, em minha própria cidade,
que tem apenas seus duzentos anos,
a quantidade de prédios destruídos,
sob a desculpa de maior necessidade,
nessa vaidade cega dos humanos,
que apenas por seu lucro são movidos...
CALENDAS CELTAS I (2008)
Nada na vida é por acaso. Tudo
é uma relação de causa e efeito.
Sou responsável, sim, por meu defeito
e é tudo consequência, não me iludo,
destas escolhas antigas. Mesmo mudo
e no ventre de minha mãe, eu já aceito.
Sou responsável por todo o meu direito,
sou causador do próprio mal agudo.
Se for verdade o que diz a teosofia,
até mesmo escolhi meu nascimento,
meus pais e circunstâncias do momento,
nessa ocasião o que a alma mais queria
e precisava vivenciar, ainda embora
muito cruel tal me pareça agora.
CALENDAS CELTAS II
Não culpes a ninguém. Quanto fizeram
e te prejudicou, tu permitiste.
E por mais que esta noção te deixe triste,
tu que escolheste o mal que te quiseram.
E se abusar de ti outros esperam,
pois no passado já lhes consentiste,
é mais que tempo e o próprio fado insiste
que assumas o controle, pois te deram
os deuses uma alma a cada vida.
E a essa alma é que cabe tal estudo,
vivendo em plenitude uma emoção.
Mas se ao desejo de outrem dás guarida,
perdeu-se a vida inteira. Foi-se tudo,
até voltares... em outra encarnação.
CALENDAS CELTAS (10 jul 11)
Está certo. Reencarnação é uma heresia
e um bom católico não acredita nela.
Ao purgatório irá a moça donzela
ou para o céu, quando a alma reluzia.
Enquanto ao inferno se dirigiria
quem realmente um mau pendor revela
ou ainda esse que teve a má estrela
de seguir dos evangélicos a via...
Um bom judeu vai para o seio de Abraão
e quiçá os árabes terão igual destino,
reservado igualmente ao bom pagão,
que não roubou, que não foi assassino...
Mas protestante ser... que desatino!...
Merece o inferno por ter mau coração!
CALENDAS CELTAS IV
E o pior é que há ramos protestantes
que manifestam o mesmo fanatismo.
Vão ao inferno os seguidores do papismo
e os incrédulos, em todos os instantes.
Como pretendem judeus mais delirantes
que o favor de Jeová é exclusivismo
de seu povo escolhido. E o islamismo
só dá o paraíso aos mais constantes
e verdadeiros crentes. Minhas escolhas
são de minha inteira responsabilidade
e assim me inclino para a condenação...
Assim a minha tendência não me tolhas
com imposição de qualquer autoridade:
prefiro muito mais a reencarnação!...