LA GRANDEUR / ALFARRÁBIOS

LA GRANDEUR (19 JUN 11)

David era pastor e era flautista,

por entre áridas colinas e planaltos.

Defendia as ovelhas nos ressaltos

e assim tornou-se um ótimo fundista.

(Porque usava a funda.) Não se insista

em trocar os sentidos em mil saltos:

talvez corresse até nos morros altos,

mas nos tempos de guerra e de conquista,

não há lugar para tais competições...

Foi com a funda que derrubou o gigante

(Quanto mais alto, se diz, maior a queda),

pondo a correr depois as multidões

dos filisteus, que Saul levou por diante,

pelo poder que só Jeová conceda...

LA GRANDEUR II

Mas criado nas montanhas, foi salmista

e conseguiu descrever com perfeição

todo o esplendor dos montes do Jordão,

nas mil canções de seu mister de harpista.

Yehoshabeath chamava-se, mas a vista

até se turva, ao enfrentar a dimensão

desse nome, cujas sílabas hoje estão

esquecidas e da memória já nos dista.

Assim, chamou-se apenas "Capitão",

no dialeto da tribo dos Danitas

e é de todos conhecido por "David",

O jovem rei de manso coração,

bem diferente dessas letras esquisitas

de que somente eu não esqueci...

LA GRANDEUR III

Pois esse Deus, a quem David louvava,

não era Jeová, o deus guerreiro,

que escolhera a Israel, primeiro

e Seu auxílio a tal povo limitava.

Era El-Shaddai a Quem ele adorava,

o "Altíssimo", o deus do pegureiro,

o Deus dos Montes, deus do condoreiro,

e o mundo inteiro das alturas dominava!

E foi assim que esse pastor salmista,

por vez primeira concebeu, talvez,

um deus que protegesse a humanidade

e não somente o guerreiro que conquista

para seu povo apenas, na altivez

de proclamar de outros povos a maldade.

LA GRANDEUR IV

Pois era assim. Outros até diziam

que deveriam nas planícies combater,

em que tal deus perderia o seu poder,

que as alturas somente conferiam.

Mas as palavras de David luziam:

"Para os montes meus olhos vou erguer,

de onde o auxílio posso receber?"

E suas canções também nos transmitiam

"Que nosso auxílio provém só do Senhor,

que fez o céu e a terra", o Alto Deus,

em Quem buscamos a nossa proteção.

E nos ensina, em pastoril fervor,

não ser apenas um deus para os judeus,

pois todo humano dos outros é irmão.

LA GRANDEUR V

Assim eu busco no Altíssimo a proteção,

que fez o céu e a terra e o Universo.

A Ele louvo, enfim, em cada verso,

por mais que ímpios alguns parecerão.

Pois não existe qualquer inspiração

que não proceda desse Deus, converso

no Dom de Línguas sobre mim disperso,

que reconheço em plena aceitação.

Que seja o verso meu louvor, então,

mesmo que ímpio para ti pareça,

quando descrevo meu pendor ao sexo.

Pois representa, em minha concepção,

a vida plena que entre nós mais cresça

e que à própria morte empresta o nexo.

LA GRANDEUR VI

Então contemplo as montanhas do Arizona,

a "Zona da Aridez", que o nome indica,

no pasmo interno com que a vista fica,

perdida em pequenez, que assim me toma.

Que essa grandeza que do mundo é dona

e que o orgulho humano tanto achica,

de fato, pouco ou nada significa,

perante o esplendor que à mente assoma,

ao recordar que muito acima dela

paira o Altíssimo, dos montes incontido,

a presidir sobre o Universo inteiro...

Cada galáxia que só parece estrela

a nosso olhar, sem lentes revestido,

que mal consegue perceber o seu luzeiro.

ALFARRÁBIOS I (2008)

Este é o problema com o conhecimento:

que sempre é insuficiente e quanto mais

se percebe obtido, é que jamais

nos satisfaz inteiro o pensamento.

Foi a insatisfação do julgamento,

tal qual se encontra escrito nos anais,

que provocou as decisões fatais:

e o Paraíso perdemos num momento...

Pois conhecemos tão só imperfeitamente:

é muito fraca a luz destes fanais

e tal saber não passa de inexato.

E não busco mais saber, honestamente,

pois quero conhecer, mas não demais,

por não saber quão pouco eu sei, de fato.

ALFARRÁBIOS II (20 jun 11)

Contudo, saber pouco é perigoso,

pois se pensa que se sabe muito mais:

não se admite não saber jamais...

O ignorante mostra-se orgulhoso

desse pouco que sabe e até vaidoso,

por enganar a si mesmo e aos demais.

Pois sabe que não sabe, mas naturais

são as desculpas para quem é ardiloso...

Pois quem não sabe, pode até reconhecer

para si mesmo como sabe pouco,

porém racionaliza que ninguém

pode, de fato, mais que ele saber...

E quem sabe um pouco mais, então é louco

e não lhe dá mais valor do que ele tem.

ALFARRÁBIOS III

Assim é que se embasa na experiência

que diz possuir. Cursou "a faculdade

da vida", no que mostra sua vaidade,

esfarrapada no crivo da consciência...

Antigamente, afirmavam, tal sapiência

vinha da "escola da vida", em realidade.

Os tempos mudam, hoje é a universidade

que afirmam ter cursado, sem frequência...

Mas quase todos, em geral, se iludem:

porque a vida igualmente me mostrou

quão pouca gente aprende com sua vida.

Porque seus próprios erros não entendem

e se percebe que nenhum deles mudou,

pois sua experiência quase nunca é ouvida...

ALFARRÁBIOS IV

Mas olhando o meu passado, agora eu sei

que adquiri algum conhecimento,

que aos poucos transmutei em julgamento,

que em certos pontos, ao menos, eu mudei.

Vivi meus erros e, aos poucos, aceitei

essas lições colhidas num momento.

Meus erros repeti, a meu contento,

mas em acertos, passo a passo, os transmutei.

Eu sei que me transformo pela vida,

enquanto os outros vejo sempre iguais,

pois faço hoje o que antes não fazia...

E a coisas que já fiz, dei despedida,

mas no fundo, não difiro dos demais,

pois se assim fosse, nada mais transformaria.

ALFARRÁBIOS V

Pois tal conhecimento não ganhei

de conseguir parar de transformar-me.

Talvez descubra, para meu alarme,

ser este o erro maior por que passei.

Minha experiência não foi que transformei

em crivo ou em padrão para adequar-me

ou em modelo ao qual possa comparar-me:

olhando para trás, sempre mudei...

E quem me diz que mudei para melhor?

Erros antigos parei de cometer,

talvez somente em câmbio de erros novos...

Restos ficaram em mim do que é pior,

que me esforcei em vão por combater

e que arrancados, crescem em renovos...

ALFARRÁBIOS VI

E reconheço assim o impedimento

para obter-se real sabedoria.

Só consegui desposar a ironia

que está por trás de um falso julgamento.

Sempre a encarar cada acontecimento,

por pior que fosse o que me acometia,

com uma mescla de sarcasmo e zombaria

pela desgraça ou triunfo de um momento.

Pois do triunfo sobrou só o conhecimento

de tal instante que relembrar já sei:

logo a seguir se deseja outro começo.

Mas das derrotas há constante pensamento,

cada uma delas mil vezes relembrei,

muito mais do que queria e nada esqueço...

William Lagos
Enviado por William Lagos em 23/06/2011
Código do texto: T3051741
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