“TEM DÓ, PAPAI DO CÉU!...”

Santa Cruz de La Sierra. O dia declinara,

Ornamentando o céu de uma beleza rara,

Pondo nos corações cansados de sofrer

Uma gota de luz e um pouco de prazer,

Pois no suave dulçor da tarde que morria

A bondade de Deus em promessas sorria...

Quando a noite desceu sobre a cidade o manto

De treva, uma notícia andou de canto a canto:

- “Vai haver pregação das doutrinas de Cristo,

Na pequenina igreja evangélica!...” – Nisto,

Um ébrio inveterado, erguendo-se do chão,

Falou: - ‘Vou acabar com essa reunião!...’

E seguiu, cambaleando, em direção ao templo...

Na casa de oração, porém, um belo exemplo

De fé, a fulgurar nas asas da inocência,

Iria arrebatar a pequena assistência,

Que via em gesto audaz de crença e confiança

A manifestação de Deus numa criança...

É que a menina Creusa - a filha do pastor –

Pedindo ao seu papai uma Bíblia e um Cantor,

Pôs-se logo a cantar, numa voz que seduz,

Um hino que exaltava o poder de Jesus:

Nesse instante assomou à porta o celerado;

E, em gesto ameaçador, ficou ali, parado,

À espera do momento em que iniciaria

A cobarde agressão...

Mas a doce harmonia

Dessa voz infantil foi aos poucos quebrando

O pétreo coração daquele homem nefando

Que tirou seu chapéu, tornou-se reverente,

Seu semblante mudou, sorriu humildemente,

Sentindo dentro d’alma o conforto divino

Que lhe vinha do céu no cântico dum hino...

Quando Creusa parou de cantar, disse o velho:-

“Se cantares de novo, ouvirei o evangelho,

Deixarei, sem temor, todos os vícios meus

E virei sempre aqui para adorar a Deus!...” –

Animada de amor que se comove e canta

Dentro do coração, a Creusa se agiganta

E eleva a sua voz de místicas doçuras

Aos redoirados céus das divinas alturas,

Emocionando assim toda a congregação

Que a acompanha depois nessa meiga oração:

- “Papai do céu, concede a este bêbado velho

Um novo coração para o teu Evangelho!

Tem piedade, Senhor, desse infeliz incréu

E de su’alma atroz, tem dó, Papai do céu!” –

E um vislumbre de fé, e um roseiral de prece

Em cada olhar fulgura e em cada peito cresce,

Na congratulação dos pregoeiros da cruz

Por mais um pecador que se entrega a Jesus.

*

Creusa! Tua missão é a missão dos pequenos,

Dos que vivem com Deus, dos que lutam serenos

No bendito mister de fazer caridade,

Pregando a Paz, o Amor, o Perdão e a Humildade;

Por que não fazem mal e não sabem mentir,

Pois vivem, na verdade, a cantar e a sorrir!...

Creusa! Tua missão é a missão dos remidos,

Consolando o que sofre ao peso de um labéu...

Vive, pois, a implorar por todos os perdidos:

- “Tem dó, Papai do céu! Tem dó, Papai do céu!...”

Mário Barreto França - Fevereiro de 1947

No livro O Louvor dos Humildes (Rio de Janeiro, 1953)Via http://veredasmissionarias.blogspot.com/

Berg Santtos
Enviado por Berg Santtos em 08/06/2011
Código do texto: T3022332