Eu era
Eu era um deserto e um vazio.
Existência sem-sentido, vida sem-razão.
Chão morto queimado de estio.
Astro perdido, filho da escuridão.
A morte foi minha companheira,
O desespero se tornou meu irmão.
Eu era a palha seca da eira,
A menor parte do nada, um rabisco no chão.
Eu era o mar soturno, tempestuoso.
Agitado por vagas malditas.
Era eu batel solitário e tenebroso,
Afundado nas águas escuras das desditas.
Eu era um trágico por do sol,
Um infeliz e sombrio entardecer.
Destinado a ver o nascer da noite,
Fadado a ver o dia morrer.
Eu converti minha vida em quimera,
Tornando-me espectro da ilusão.
Eu era a flecha que o alvo erra,
Atirada sem rumo, sem direção.
Eu era um arco-íris sem cor,
Um quadro cinza e sem moldura.
Eu era o retrato falado da dor,
Um homem a caminho da sepultura.
Eu era um livro não lido e esquecido,
Abandonado, de páginas envelhecidas.
Amarelado, sujo e puído...
Maldito livro, maldita lida.
Tudo para mim estava perdido,
Não tinha esperança, não tinha sorte.
Meu incessante pedido:
Que me leve dessa vida a morte.
Quando eu caído esperava a morte,
Encontrou-me o Caminho, a Verdade e a Vida.
Voltei a viver; recomecei minha história.
Reinventei a vida. Que alegria, que glória.